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A Longa Marcha: Caminhe ou Morra, livro de Stephen King, ganha versão cinematográfica

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A adaptação de uma obra do mestre do terror Stephen King não virá sempre apenas com uma expectativa enorme por parte de fãs do escritor ou mesmo do cinéfilo em busca de uma narrativa diferenciada dentro do gênero. Estarmos em um ano especial para o terror coloca ainda mais ansiedade por uma ideia bem concebida, onde a realização possa acompanhar o excelente momento. O que muitos cinéfilos esquecem é que King não é apenas o autor por trás de ItCemitério MalditoCarrie O Iluminado, mas também o homem que nos trouxe Um Sonho de LiberdadeConta ComigoEclipse Total e O Aprendiz; ou seja, nem sempre o horror é o centro das atenções do autor, e A Longa Marcha: Caminhe ou Morra está inserido nessa seara menos lembrada do escritor. 

Lançado em 1979, e assinado por Richard Bachman (um pseudônimo de King), o livro é, desde então, celebrado por cineastas como Dario Argento, que tentou levar a trama para as telas. Somente agora Francis Lawrence conseguiu, e com tal resultado que nos é entregue, fica complexo para desejar outro autor por trás da realização. Diretor de obras que as bilheterias consagraram mas a crítica nem tanto (injustamente), como Constantine Eu Sou a Lenda, Lawrence tem contato com uma das maiores franquias da década passada, Jogos Vorazes, narrativa que pode se assemelhar a A Longa Marcha, mas as comparações terminam ao compasso do seu desenrolar. Concebido há quase 50 anos atrás, o que vemos no filme é ainda uma compreensão muito forte da alegoria política dos anos 70, dos temores e da desesperança com o fim da Segunda Guerra Mundial, e mesmo ecos da Grande Depressão de 1929. 

Logo, o horror impresso em A Longa Marcha advém de uma absoluta perda da inocência de uma nação que se via com um poder infinito mediante as demais, e de repente observa a própria falência. Essa questão não está exposta apenas no discurso oral do projeto (afinal, de alguma forma, distopias estão impressas dessa disposição, da derrota da esperança diante do fascismo e da progressão do medo), mas principalmente no que Lawrence organiza de pictórico para seu filme. Um dos principais acertos é não lidar com uma data específica para a ocasionalidade do filme e deslocar sua ação para um tempo indeterminado, cujas características são também alteradas pela imagem. Nada é específico de um período, e muitas coisas são próprias de momentos díspares, com isso aumentando o grau de incerteza do espectador, que funciona muito bem para o fim determinado. 

Rapidamente, a série escrita por Suzanne Collins e estrelada por Jennifer Lawrence é transposta no inconsciente para o universo concebido por Horace McCoy em 1935, quando publicou o livro que daria origem a A Noite dos Desesperados, um dos maiores clássicos dos anos 60. Aliás, livro e filme conversam sobre o desamparo de um Estados Unidos destruído pela queda da bolsa de Nova York, que ao se ver submerso na falta de perspectiva social, embarca em uma jornada suicida em uma pista de dança. Em A Longa Marcha, o salão de baile dá lugar a um incessante caminho por uma estrada no interior profundo do país, onde um grupo de jovens não pode parar de andar até que reste somente um. Vivo. Do que é aproveitado da nossa modernidade, essa espécie de maratona da morte é transmitida ao vivo, mas o roteiro acerta muito em centrar a ação exclusivamente nos personagens que desempenham a ação. 

O que não sai do campo das imagens do filme é o entorno que Lawrence organizou para sua produção, que acentua suas origens e a sensação de que estamos diante de uma suspensão temporal anacrônica, em figurino, direção de arte, mas acima de tudo na disposição de seus personagens e do que eles veem. Não importa muito o que transformou a paisagem que vemos, mas no que está diante dos olhos do espectador e impresso nos breves rostos ao longe; não é que falte efervescência a ambientação, mas um sentido amplo de possibilidades. Uma das marcas de A Longa Marcha é uma espécie de desamparo coletivo, seja nos animais sem rumo ou na forma como cada ser vivo é amparado em cena. Sem brilho ou faísca que considere um grau de expectativas, o todo que se filma é desolador, onde a melancolia é parte integrante de sua paisagem, incluindo a humana. 

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra não é exatamente um filme depressivo, mas não é absurdo pensá-lo sob essa camada. Todas as relações que se formam em cena estão atreladas por uma profunda solidão que precisa ser amparada naqueles últimos dias de cada personagem. Assim como Ray, Pete, Stebbings ou Baker, não sabemos a ordem em que cada um sairá de cena, apenas que isso é certo; o que lhes resta, a não ser ouvir uns aos outros, e tentar criar um derradeiro laço para o fim ser menos solitário? Em cena, alguns dos melhores atores jovens do momento, passando por Charlie Plummer (de A Rota Selvagem) ou Roman Griffin Davis (de Jojo Rabbit). Porém, o coração do filme está com a parceria formada entre David Jonsson (de Alien: Romulus) e o cada vez mais assustador Cooper Hoffman. 

A natureza da relação entre os dois é tão intensa e verdadeira que a adaptação de Um Sonho de Liberdade dirigida por Frank Darabont em 1994 e estrelada por Tim Robbins e Morgan Freeman é evocada com tranquilidade. Mais que isso, em alguns pontos, Ray e Pete se mostram verdadeiramente encantados pela amizade recém nascida, com prazo estabelecido. É uma história de amor que surge em meio às ausências emocionais, e que soa tão intensa pelo talento dos seus intérpretes, onde o protagonista de Licorice Pizza tem papel crucial, ao nos envolver para uma relação familiar despedaçada, mostrando suas fragilidades. É quando percebemos a grandeza do trabalho empreendido por Francis Lawrence em A Longa Marcha, um filme cujo caráter tátil nos faz próximo do que seus personagens sentem e veem, e de onde a emoção transborda simplesmente, em meio a solidão que precede a paz sentida próximo a morte. 

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