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‘Vermes Radiantes’ faz rir ao expor microfísicas de controle

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Colheradas diárias de Bel Hooks (1952-2022), autora que é pilar de uma prática inclusiva de benquerer, dá à digestão do texto teatral de origem inglesa “Vermes Radiantes” uma taxa menos tórrida de refluxo político. Como disse a escritora: “Quando escolhemos amar, escolhemos nos mover contra o medo – contra a alienação e a separação. A escolha por amar é uma escolha por conectar – por nos encontrarmos no outro”.

No ethos de Bel, a simbiose afetiva plena exige respeito, coisa que existe entre os pombinhos de “Vermes Radiantes”. Jill e Ollie se gostam e se querem pacas, até debaixo d’água e no meio dessa história há um neném vindo se somar aos dois, na barriguinha. Tudo vai bem. Tudo dá match! 

Porém, o bagulho só enfeia quando rola a chance de eles irem para uma casa nova. Uma casa que parece feita sob encomenda para o futuro ser próspero. Só que tem um mas nessa jogada… sempre tem. 

Se Jill e Ollie tivessem lido Bel Hooks, ali onde ela diz  “quando somos ensinados que a segurança está na semelhança, qualquer tipo de diferença parece uma ameaça”, nosso estimado casal teria evitado uma baita encrenca. Não deu para evitar, mas, pelo menos, eles curtiram uma festa, e que festa!

Vale dizer que o trecho da montagem brasileira da saga de Jill e Ollie – no original, “Vermine Radiant” – dedicado à tal micareta, é um engenho cênico de fazer a plateia quicar na poltrona. Uma vez que Maria Eduarda de Carvalho está a cara da Laura Dern (e atua com tanto magma quanto a estrela dos EUA) e Rui Ricardo Dias investe num modo Nicolas Cage de explodir em cena, fica difícil olhar para os palcos sem pensar em Coração Selvagem, a Palma de Ouro de 1990.

Os dois fazem de “Vermes Radiantes” a peça mais David Lynch do teatro brasileiro atualmente. O duo de atores é, certamente, lynchiano não pela estranheza, mas por sua semiótica. Cada gesto dos dois nos leva a um novo signo a ser decifrado com foco nas opressões mais silenciosas que existem na contemporaneidade 

Daí se fazer menção aos ensaios de Bel Hooks, aríete da luta contra o sexismo e oráculo nas batalhas antirracismo. O intuito de trazê-la à tona, para se falar da (orto)grafia dramatúrgica do inglês Philip Ridley, parte de uma licença poética despertada pela sociologia depurada por essa escritora em sua mirada sobre microfísicas de poder. O trator que tenta esmagar Jill e Ollie tem seu alicerce na gentrificação. A nova planificação dos lares é um convite – na lógica do capitalismo – ao redesenho das gentes que a ocupam. 

Ridley esgueirou-se sob um precipício similar em “The Pitchfork Disney” (1991) e em “The Fastest Clock in the Universe” (1992). Seu estilo, o In-yer-face Theatre (uma plenária de piquete na qual ação é agressão, ou seja, combate verbal), é uma triagem contínua das armadilhas políticas para pasteurizar subjetividades e converter gente inquieta em gado servil. Trocando em miúdos, é o mesmo mal que Bel içou em sua obra e expôs para debate.

Raivoso como todo o bom Ridley já encenado pelo planeta, “Radiant Vermin” chega sob uma luminosa tradução feita por Diego Teza, o texto faz rir a granel sem diluir o castrofismo de seu autor na gargalhada. Além disso, a montagem Alexandre Dal Farra impede que a fera fique civilizada e perca sua conexão coma a natureza apocalíptica do dramaturgo britânico.

Tudo é o que vemos é uma reminiscência dos trovões que rugiram no céu de Jill e Ollie na mudança. Ouvimos a versão deles, nunca a da figura que serve como um agente imobiliário para a tal casa sonhada, figura desenhada por Marcos França, que, na reta final da temporada passa a ser vivida por Pedro Precisa. 

Pavimentado sob uma cenografia dionisíaca, com assinatura de Stéphanie Fretin e Camila Refinetti, “Vermes Radiantes” entra em erupção conforme Rui e Maria Eduarda deslocam as placas tectônicas da inércia moral. A iluminação apolínea de Lucas Brandão oferece aos dois uma atmosfera ideal para uma pesquisa cênica hilária.

Saiba mais sobre a peça!

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