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Enterre seus Mortos: Marco Dutra orquestra novo filme de terror

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Até agora, nenhuma abertura de qualquer dos filmes de Marco Dutra chegou perto do impacto causado pelo prólogo de Enterre seus Mortos, estreia deste fim de semana onde o horror impera nas salas de cinema. Poderíamos chamar de ópera o que é orquestrado em cena, um acidente de carro envolvendo um cavalo e que se apresenta em camadas que não param de surpreender, pelo tanto que conta de narrativa, mas principalmente em como o autor se mostra acima dos seus pares na realização. Tudo é meticulosamente detalhado, com um Caetano Gotardo possuído em cena, e um sem número de entradas, elementos surreais, e uma decupagem que extrapola os limites do acerto. Essa abertura é, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição para o que vamos acompanhar a seguir. 

Edgar Wilson é um profissional da coleta de lixo das estradas, na verdade de corpos de animais atropelados nas grandes rodovias. Sua vida é carregada de monotonia, apesar do círculo onde atua, ao lado de um outro parceiro de profissão, e iniciando uma história de amor com sua supervisora. Tudo isso está acontecendo em paralelo a uma espécie de estranhezas que a Terra começa a causar e provocar. Esses e outros personagens não sabem que estão vivendo um tipo de apocalipse prestes a acontecer. Enterre seus Mortos é, sem dúvida, o ato de maior coragem de Dutra, e o momento onde seu escopo aumentou de maneira exponencial. O que poderia acontecer daqui pra frente com uma carreira iniciada com Lençol Branco (nos curtas) e Trabalhar Cansa (nos longas), duas propostas econômicas do horror? 

Se alguém esperava, há 20 anos atrás (ou 15, caso tenha sido apresentado aos longas, exclusivamente), que o diretor que esboçava cuidado extremo com suas jornadas ao lado de Juliana Rojas em um cinema de gênero de construção quase palpável, ia mergulhar em uma espécie de terror cósmico de produção agigantada, essa pessoa merecia um prêmio. Enterre seus Mortos é baseado no livro de Ana Paula Maia, e essa é mais uma adaptação de um autor que já o fez antes com brilhantismo (Quando Eu Era Vivo, adaptado de Lourenço Mutarelli). Apesar das credenciais coletivas, essa nova produção paga o preço de estar na filmografia de um diretor ousado, atrevido e que sempre dobra a aposta. O resultado não deixa de ter inúmeros momentos de rigor estético, mas cuja construção narrativa esbarra em entraves de muitas ordens. 

Se a fotografia de Rui Poças (de Tabu) nunca desanda, com a utilização de luzes e paleta de cores quase convidando o espectador a experimentar mais e mais, e uma profundidade de campo que respeita toda a ordem natural do roteiro, a montagem de Bruno Lasevicius (de Sonhar com Leões) não consegue desembaralhar o micro caos que vazou da escrita. O resultado atrapalha a fluidez do entendimento, e esse não é um resultado que pode ser encarado como um delírio da produção, e sim uma prisão de imagens e encadeamentos que ultrapassam os elementos da fábula. Se esse é um código que o filme assume pra si (e assume), essa decisão deveria estar em consonância com a lógica, ainda que interna, do objeto fílmico; isso não acontece, e o filme encanta por um lado, mas não consegue seduzir. 

Isso vindo de um cinema que precisa da sedução, e cujo autor é geralmente um exímio sedutor, temos a impressão de que o resultado não foi alcançado dentro da necessidade do projeto. Enterre seus Mortos é carregado de um fascínio imagético, que é constantemente refeito por ‘set pieces’ impressionantes, e uma grandeza de produção que não é encontrada todos os dias em todas as estreias. Há um quê de desencontro genuíno, no entanto, e a tendência é que o filme seja divisivo, com mergulhos verdadeiros para espectadores que se proponham à inquietação com o material escrito. 

No que concerne ao elenco, Dutra parece ter escalado um time dos sonhos, mas nem todos conseguiram capturar o espírito de anarquia que Enterre seus Mortos exige do grupo. Os maiores acertos são as presenças de Danilo Grangheia, Magali Biff, Julia Katharine e Gilda Nomacce, um quarteto que corresponde a tudo que foi exigido dele, em diferentes versões de um jogo; Grangheia em especial tem uma química formidável com o protagonista vivido por Selton Mello. Esse, apesar da unanimidade que povoa essa sua performance, aos poucos se vê engolido pelo artifício, ao ponto do Chicó de O Auto da Compadecida aparecer em cena, em algum momento. Já Marjorie Estiano tem um raro momento de desacerto geral, onde seu potencial não é alcançado, coisa que ela tinha tirado de letra em sua parceria anterior com o diretor, sendo multipremiada em As Boas Maneiras

O conjunto da obra de Enterre seus Mortos é positivo, estamos diante de um filme curioso e corajoso, diante das opções genéricas apresentadas normalmente no Dia das Bruxas. Ainda que falte coesão ao que vemos, um diretor como Marco Dutra na direção nunca será menos do que uma aposta frontal para um cinema que não cansa de pulsar, ainda que, dessa vez, estejamos falando de um coração que mostra seu descompasso.

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