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Guillermo Del Toro faz dos nossos monstros internos um novo Frankestein

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O cinema ainda pode surpreender, principalmente aos céticos e desconfiados. Esse que vos escreve, por exemplo – declaro há anos que perdi o interesse (e me irrito com facilidade) com produções cuja obra original já tenha rendido tantas versões como ‘Mogli’, ‘Tarzan’ ou ‘Peter Pan’. Penso que o cinema já abordou tais personagens mais vezes do que a paciência permite, principalmente com tanta matéria-prima ainda não abordada pelo cinema. Nesse mesmo lugar estão ‘Pinóquio’ e ‘Frankenstein’, mas o mesmo diretor das versões mais recentes de ambos não liga muito para a minha opinião; ainda bem. Frankenstein, em sua encarnação 2025, é mais uma obra cuja autoralidade de Guillermo Del Toro faz toda a diferença no tratamento, no emprego da carpintaria cinematográfica, no olhar rejuvenescido para o que as possibilidades dessa narrativa têm a oferecer imageticamente. 

Guillermo

Ainda que a obra de Mary Shelley seja imortal, e venha sendo readaptada para os cinemas há quase 100 anos, o vencedor do Oscar por A Forma da Água surge com um olhar como se dissesse “faltou a minha versão da ação”. Com ela chegando aos cinemas, vemos que poucos cineastas hoje conseguem dar conta de criar um universo particular para seus filmes e não torná-los reféns de um modelo artístico, tornando-os inertes; embora seja igualmente talentoso e grandioso, Wes Anderson nem sempre consegue dar ao que cria vida uniforme. Del Toro, mesmo em seus modelos menos inspirados (vide A Colina Escarlate), carrega de vida própria todo o arsenal estético que ele carrega junto à sua assinatura. 

A história é a que se conhece, pouco foi reinterpretado, e o espectador precisa estar preparado para lidar com elementos já reconhecidos, e uma condução que privilegia o palco, a forma de situar essa narrativa tão familiar, e como empregar elementos de outras ordens a essa moldura. Talvez o principal ganho que esse Frankenstein carrega são os valores referenciais, não a qualquer versão anterior, mas ao Cinema como um todo, e o tanto de gênero que pode receber carinho pelas mãos de um de seus maiores defensores. Del Toro assegura a cada nova investida cinematográfica que precisamos prestar atenção aos monstros internos de cada um de nós, e observar os que nos rodeiam, para que não os tenhamos de maneira subestimada. É um discurso que ele repete com veemência, mas isso pode soar aborrecido para uns, como sinal de coerência para outros. 

Fora do discurso, Guillermo Del Toro, certamente, tem se saído muito melhor, e a prova está aqui. Como é de se esperar, Frankenstein mais uma vez metaforiza as relações familiares em conflito, pais e filhos que não se compreendem, e a eterna vontade do Homem de brincar de Deus. Mas o cineasta está menos interessado em manter ou dispor dessa narrativa, e sim aplicar no filme, por exemplo, códigos do cinema gótico britânico, ou do lugar que se emprega a fábula, mais uma vez. Mas se isso não é novo para o cineasta, para o relevo dessa história é. Existe um tanto de irmãos Grimm aqui, dos quadros renascentistas recriados nos planos, ou da estética barroca toda vez que precisa representar símbolos da morte, como sepultamentos ou cerimônias fúnebres. 

Ou seja, é um avanço dentro do que o Cinema precisa entregar, uma arte de prioridade audiovisual, onde a imagem deve contar mais uma história do que o emprego de seu texto. Um diferencial que está aqui, e que Del Toro talvez esteja trabalhando pela primeira vez é o uso da abordagem clássica, acrescido ao que ele tradicionalmente rebusca. A invenção sob a qual ele tem se apoiado, seja no olhar para a ressignificação de gêneros, seja na contradição de apresentar suas obras de uma maneira menos cartesiana, aqui assume uma parcela de resolução tradicional. Então, ao mesmo tempo em que existe a figura do Anjo da Morte, ou uma escala de sangue e ‘gore’ em determinados momentos, o cineasta parece ter adoração pelo tratamento original, e mantém muito de sua abordagem convencional do certame da época retratada. 

Mas existia ainda uma curiosidade: como seria a Criatura na versão de Guillermo Del Toro? A maquiagem, quando pensamos nas versões anteriores (a de Kenneth Branagh deixou Robert DeNiro absolutamente disforme), é bem mais sutil, o que confere uma exigência a mais no ator a quem seria entregue tal responsabilidade. Sendo essa uma versão que bebe de muitas vertentes, e que o visual do filme também beba da cultura grega, existe uma delicada colocação desse novo monstro quase como um semideus. E a despeito do excelente elenco de Frankenstein, no que se incluem Oscar Isaac, Christoph Waltz e a própria essência gótica em Mia Goth, é o jovem Jacob Elordi quem comanda o show. 

Tendo brilhado em filmes como Saltburn Priscilla, o australiano não alcança as notas exatas que pedem cada cena, mas ainda assim o que temos à disposição é um trabalho de sensibilidade e impacto, seja no que apresenta em sua entrega corporal, quanto na verdade cênica que seu rosto busca incessantemente. Que o ator precisava entregar ainda mais doçura para que o contraste fosse mais demarcado, isso fica claro ao avançar da produção. Mas a verdade é que Guillermo Del Toro tinha a necessidade de encontrar um coração por trás do horror, porque é sobre isso que se trata a essência da obra de Shelley: quem é o verdadeiro monstro da relação? Elordi mostra que está pronto para vôos mais altos, e o cineasta, que precisa acreditar mais na capacidade que tem de entregar o horror sem precisar recorrer a clássicos. Sabemos que talento não falta. 

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