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The Mastermind, novo filme de Kelly Reichardt, é baseado em história real

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Existem alguns cineastas que conversam profundamente com o meu olhar, e com o que desejo ver no cinema, em narrativa e em estética. Paul Thomas Anderson, Claire Denis, Hong Sangsoo, Letícia Simões, Pedro Diógenes, Pedro Almodóvar, são alguns nomes que cito para complementar uma cinefilia que me interessa alimentar. Kelly Reichardt é definitivamente um desses nomes, e entender que seu cinema ainda não foi amplamente abraçado, me faz duvidar do que é considerado indispensável no Cinema hoje. Seu novo filme, The Mastermind, estreia agora depois de passagem bem sucedida pelo último Festival de Cannes, e mais uma vez não consegui me decepcionar com suas escolhas, ainda que seus filmes partam de lugares distintos, seus apontamentos conversam e criam um novelo acertado de contribuição a sua própria obra. 

Permeia por sua filmografia um sentido de minúcia sobre o trabalho, em como a labuta precisa ser posta em um microscópio para análise de suas consequências e as ações decorrentes de cada decisão. Não exatamente uma filmagem que cerque o labor de sua ordem mais prática, mas qualquer que seja essa definição mais abrangente do ato de produzir atividades com determinado fim. The Mastermind é um dos seus filmes onde essa proposta está em seu formato mais frontal, sem colocação alegórica; um homem não o tem, e precisa produzir para si uma fonte não apenas de renda, mas principalmente de ação. A partir dessa decisão, o olhar da direção se aproxima mais do que sua relação com o ‘ter’, mas principalmente com a capacidade de reinventar continuamente o ‘não ter’, não apenas onde a lente filma e decide cortar da imagem, mas também no entorno do que é filmado.

Nas entrelinhas do que vemos, existe um manancial de vida externa acontecendo, que está pontilhado no que a diretora se ocupa com um detalhamento sutil, se é que essa expressão cabe. Em determinado momento, o protagonista do filme se dedica a uma “transfusão” fotográfica em um documento, e Reichardt enfim se ocupa do espaço em que ele está inserido, utilizando um movimento de câmera para tal. O campo de JB se amplifica naquele momento, e se apequena ao mesmo tempo. Na tv, a guerra do Vietnã está próxima a ele, mesmo em outro continente, e ao seu redor, quase nada restou para chamar de seu. A fina ironia contida no filme é amarrada entre essa cena, e a sequência derradeira da produção, quando o roteiro ousa rir de tudo o que aconteceu até então com um desfecho desconcertante e quase ingênuo, mas com um toque de picardia também. É como The Mastermind se comunica com o espectador, indo de um pólo a outro no mesmo escopo. 

São 30 anos de carreira em plena construção de maturidade; o que é tecido aqui, por uma cineasta que, sem arrogância, lê o ser humano através dessas questões laborais, mas sem deixar de investigar sua essência a reboque. É nessa aparente despretensão, em um lugar de filmar a micro situação, o básico, que seu cinema desvenda o que pode ter de maior nas relações humanas. Em The Mastermind, Reichardt isola seu personagem-título em uma das muitas épocas estadunidenses de desespero avassalador, onde o horror político invadia o privado para roubar a expectativa emocional que se tinha. É um flagrante da melancolia que priva o ser de qualquer pensamento lógico acerca do imponderável, onde ações disparatadas nos momentos de maior tragédia provocam um riso do absurdo coletivo. Talvez, isso seja o mais próximo de uma comédia que Reichardt vá se aproximar, olhando na maior parte do tempo para um homem sem futuro, que apaga sistematicamente suas conexões com o passado. 

Josh O’Connor, um dos grandes nomes da atualidade, não parece estar aqui à toa. Cinéfila assumida, provavelmente Reichardt assistiu La Chimera, filme de Alice Rohrwacher que o ator interpreta um profanador de túmulos antigos para vender os pertences que subtrai dos locais. Existe uma conexão do astral entre esse filme e The Mastermind; aqui, O’Connor troca o lugar esfuziante anterior por uma espécie de camada de deslocamento e incompreensão. A diretora, que também trafega por essa zona dúbia entre o afastamento emocional e a proximidade tátil, tem aqui a ajuda de um protagonista pronto para assumir os códigos de uma filmografia de teor robusto como a sua. 

Um daqueles filmes onde o material prévio prega peças em espectadores mais tradicionais, The Mastermind poderia ser filmado por inúmeros cineastas diferentes, com abordagens distintas. Nas mãos de Kelly Reichardt, o filme destoa por completo do que seria um tratamento tradicional para o filme de roubo, ou para um drama de estudo de personagem, ou uma história sobre desagregação familiar. Até porque estamos diante disso tudo, mas não exatamente da versão mais escapista disso. Aqui, o protagonista JB é observado sob um compasso de espera contínua, ainda que sua evolução através dos eventos seja constante. Mas como a cineasta primorosa que é, os detalhes acerca dessa movimentação são a mola propulsora da narrativa, onde mesmo os sentimentos em torno do que vemos nunca estejam no detalhe; ao close, sobra o plano geral dos eventos, para identificar dentro de sua atmosfera e decupagem o íntimo de um homem que encontra o vazio ao escavar o excesso. 

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