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Samsara: A Jornada da Alma é uma obra experimental, sem convenções

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Dentro de uma lógica interna, Samsara: A Jornada da Alma não chega a ser uma produção de complexo entendimento. Ao invés disso, é um título repleto de uma simbologia muito particular acerca da forma como ao menos dois povos lidam com a reencarnação, suas ideias e o lugar de onde tais mecanismos são encarados com normalidade ainda maior do que entre nós. Utilizando de mecanismos poéticos ao tentar encontrar uma brecha que una o mundo espiritual com o nosso material, o filme encanta pela maneira prosaica com a qual lida com situações abstratas, tirando o peso que a religião carrega para o tema. Ainda que a religião esteja amplamente representada no filme, é a forma como tais personagens lidam com a perda da própria matéria, e de como ensinamentos superiores podem nos levar a um estado de compreensão sobre assuntos que não dominamos.

Samsara: A Jornada da AlmaO filme é uma produção espanhola, dirigido e escrito por Lois Patiño, todo filmado no Laos e falado em laosiano e suaíli. Ao contrário do que tal informação possa fazer imaginar, Samsara: A Jornada da Alma não tenta ser um “filme bonito”, mas sim tem muito mais interesse em nos fazer adentrar a atmosfera local e da sua mística, nos transportando para outra vertente da realidade. O mais interessante é que o filme, apesar de sua intenção aparentar algo superior, na verdade quer tentar desmistificar em partes aquele universo. Temos um mosteiro de monges budistas, onde jovens noviços usam smartphone e entram na internet, e do qual nem se passa pela cabeça de vários em fazer os votos definitivos. É um outro modo de observar aquelas pessoas que temos o hábito de imaginar de forma sacra.

Temos a apresentação de dois jovens cujas realidades são atraídas uma pela outra. De um lado, um dos jovens monges com pressa de encurtar sua estadia; do outro lado, um guia local, que ajuda uma senhora desenganada a tentar uma despedida menos dolorosa. O encontro dessa dupla carrega ainda mais de símbolos essa experiência chamada Samsara: A Jornada da Alma, pois parecem estar em lugares opostos. Essa dinâmica acaba também sendo uma brecha para que tenhamos menos estranhamento quando, enfim, o filme parte da ideia de ser uma produção comum, e o experimentalismo ocupar o espaço que, na narrativa, vinha sendo especulado de maneira sutil.

Em sua metade, Samsara quebra sua estrutura para que tenhamos uma nova experiência corpórea, onde cenários, elenco e textura sofrem uma ruptura radical. Ainda mais radical, no entanto, é como Patiño leva o filme de um lado a outro. É bom avisar: pessoas fotossensíveis terão problemas com o jogo que o filme apresenta. Nesse momento, tudo que vinha sendo construído até tal momento, de fácil acesso ao espectador, se assume como verdadeiramente experimental, cuja inspiração também é repleta de um olhar sem convenções. É como adentrar o processo de reencarnação, onde algumas passagens são reinterpretadas, como a afirmação de que demoramos a perder a audição ao desencarnar. O som do filme passa a ocupar, durante mais de 10 minutos, papel fundamental para continuar seguindo.

É quando acordamos em uma região do Zanzibar, vivendo em uma comunidade litorânea feminina. Samsara passa a ser conduzido por mãe e filha, e sua porção é ainda mais concreta do que a fatia anterior. Ainda que uma certa pitada de fábula ocupe o lugar da fantasia aqui, o filme segue com os pés mais firmes. Embora a condução aquela altura já se ressinta de um certo cansaço, o filme tenta utilizar seu encanto para adentrar esse novo modelo de narrativa. É nesse momento que percebemos que o filme poderia ser enxugado e acaba tendo um acúmulo de informações repetitivas que refletem no ritmo apresentado. Não existe perda de interesse, mas a certeza de que algo poderia ter sido apresentado em menos tempo, já que todo o roteiro é capturado bem mais rápido.

Seja em que parte de uma existência for, o que é comunicado em Samsara é o entendimento entre diferentes idades, origens e crenças de que há um ritual circular na vida, e isso vale para qualquer que seja o aprendizado. Estejamos aptos a voltar ou não após algum tempo de partida, o filme agrega comunhão ao seu discurso, a respeito do que aprendemos ao nos doarmos ao outro. Essa retribuição é a que vai contar, depois de tantas eras de conhecimento; o que levamos da passagem por aqui. Não é todo dia que o cinema nos fornece rituais tão profundos de doação, deixando óbvio qual a nossa função ao estarmos aqui – aprender, todos os dias.

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