- Publicidade -

“A Aforista”, com Rosana Stavis, entra nas teclas da maluques

Publicado em:

Durante a tumultuada cerimônia de entrega do Oscar de 2022, que terminou com tapa na cara, o ator Denzel Washington cravou: “Há um ditado (que diz) quando o Diabo te ignora, então você sabe que está fazendo algo errado”. Os diabos que não deixam a personagem central da peça “A Aforista” em paz, um só segundo de uma narrativa de assombro e (muito) humor se inscrevem numa esfera mefistofélica mais psicanalítica do que metafísica. Eles desgrenham os cabelos da personagem que pode dar à atriz Rosana Stavis todos os prêmios de atuação das artes cênicas no país este ano. É uma atuação na qual a vertigem do corpo somatiza a onda brava que quebra na mente fraturada de uma figura cheia de palavras, embora reticente na ação, na rememoração de uma amizade.

"A Aforista" - Rosana Stavis
Foto: Renato Mangolin

Uma pergunta dá o tom crepuscular da peça: “Quem tem jeito pra vida?”. Noutro ponto da encenação, encontramos uma fala que sintetiza a dimensão nietzschiana libertária de se olhar pro abismo da inquietude: “Artistas servem para dar ao mundo a loucura de que ele precisa”. Na geometria fractal que essas linhas dramáticas oferecem, mergulhamos de barriga num fluxo de consciência fundo e amplo como piscina olímpica.

A sensação primeira que nos contagia é que o texto de Marcos Damasceno (também diretor geral e criador do cenário) parece te levar a um filme de Tim Burton ou num episódio de “Wandinha”. Há algo de A Noiva Cadáver (2005) na iluminação de Beto Bruel, operada por Rodrigo Lopes, em fachos que ampliam o tenebroso contexto de uma psiquê alquebrada. Esse tom com algo do gótico burtoniano (tipo Os Fantasmas Se Divertem) se estendem pelo figurino de Karen Brusttolin. É sombra atrás de sombra, num reflexo de um cérebro em fricção e em ficção.

Com um jeitão à la Helena Bonham Carter, vetorizando-se num perímetro de luz bem delimitado, Rosana Stavis divide o palco com dois pianos de cauda, tocados ao vivo pelos músicos Sérgio Justen e Rodrigo Henrique. Eles duelam no palco e dão o tom da narrativa com a trilha original criada pelo compositor Gilson Fukushima.

Esse duelo reflete os vértices que formam um triângulo afetivo com a personagem de Rosana Stavis, uma escrevedora, autoproclamada de “a aforista”, que foi uma estudante de música. Ao longo do espetáculo, calcado numa ida a um cemitério, ela relembra da amizade que teve com um par de virtuosos do piano: João Marcos Martins, gênio que optou pela reclusão absoluta, e Polacoviski, que trava uma relação de Salieri com esse Mozart dodói, numa analogia difícil de se contornar com outro grande texto teatral: “Amadeus” (1979), de Peter Shaffer, filmada por Milos Forman em 1984.

Num ritmo vertiginoso, “A Aforista” dá detalhes das excentricidades de Martins e de Polacoviski, mapeando o quanto o êxito ermitão de um incomodava a vaidade apavonada do outro, num conflito que respinga nela, levando-a do solfejo à literatura. Rosana Stavis, surpreendentemente, escava vales e montanhas na alma da personagem, transformando-a numa cronista das fragilidades sentimentais, num pileque freudiano em que sua cachaça é a perda da lucidez.

Divertidíssima, ainda que sombria em sua interatividade com o lado diabólico da maluquez, “A Aforista” está indicada ao Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) nas categorias Melhor Espetáculo e Atriz. Concorre ainda ao Prêmio Cenym em onze categorias, entre elas, Melhor Espetáculo, Texto, Direção, Atriz, Iluminação e Composição Musical.

Confira o serviço completo da peça!

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -