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“A Estrela de Madureira” leva às livrarias o retrato de uma mulher à frente do seu tempo

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Prolífico (mas, cirúrgico) na produção de contos e crônicas, coroado com o Prêmio Clarice Lispector por “Ferrugem”, Marcelo Moutinho bebeu da água do subúrbio carioca, em sua meninice, mas foi correr o Rio, ao crescer, pulando de bairro em bairro, nos múltiplos pontos cardeais da cidade. Sua localidade de garoto explode (na medida certa entre a nostalgia e a factualidade) nas páginas de “Estrela de Madureira: A trajetória da vedete Zaquia Jorge, por quem toda a cidade chorou” (Ed, Record). Aliás, o lançamento do livro será deste sábado (6/4), às 14h, no Al-Farabi (Rua do Mercado, 34), com roda de samba (repleta de marchinhas de Pedro Paulo Malta) e participação da Velha Guarda do Império Serrano.

Zaquia Jorge ganha livro sobre sua trajetória

Numa investigação histórica, Moutinho viaja no tempo, até o Rio dos anos 50, com destaque para a vida suburbana de então, quando Zaquia, sensação teatral, não se limitou aos aplausos e virou empresária, ao fundar o Teatro Madureira. Morreu precocemente, afogada no mar da Barra da Tijuca aos 33 anos. O samba “Madureira chorou”, sucesso do carnaval de 1958, tornou-se um hino de dor no Rio de Janeiro, na voz de Joel de Almeida. Em 1975, o Império Serrano dedicou seu samba-enredo à história de Zaquia, num tributo que perdura na memória carnavalesca.

Na entrevista a seguir, Moutinho radiografa esse mito de empoderamento feminino.
Qual é a Madureira de que você fala, a partir da Zaquia Jorge e de que maneira ela conversa com o que o bairro se tornou?
Marcelo Moutinho
– A Madureira de que o livro fala se situa entre os anos 1940 e 1950. Quando Zaquia abre lá seu teatro, em 1952, o bairro já tinha forte pujança econômica. O comércio servia como referência para os moradores de todo o subúrbio da cidade. Já existiam suas duas escolas de samba – a Portela e o Império Serrano –; uma instituição educacional de prestígio, que era a Carmela Dutra; filias de lojas famosas na cidade, como a Casa Sloper; uma agência do Banco do Brasil… A chegada do teatro é um ingrediente a mais nesse encorpado caldo de cultura e rapidamente as peças passam a assumir certa cor local. Eram muitas as esquetes que tematizavam o cotidiano do morador, como a viagem de trem, as agruras da carestia e o próprio universo do samba, tão marcante ali. Acredito que muitas dessas características distinguem o bairro ainda hoje, quase oito décadas depois. Isso acontece embora tenha havido uma mudança no que tange à classe média, um setor que era bastante presente e, aos poucos, migrou para outras regiões da cidade, como as zonas Sul e Oeste.

Que legado Zaquia deixou para o teatro e para o simbolismo da força feminina das vedetes?
Marcelo Moutinho –
Zaquia foi uma mulher à frente do seu tempo. O simbolismo não se esgota em sua atuação como atriz. Lembremos que ela se tornou empresária com vinte e poucos anos. E, como se não bastasse enveredar por um trabalho que costumava ser vedado à mulher, comprou a briga de abrir um teatro completamente fora das áreas onde esse tipo de negócio se concentrava, que eram o Centro e a Zona Sul da cidade. Outro aspecto que merece atenção é a verdadeira revolução que a chegada das vedetes a Madureira provocou no campo dos costumes. Toda a região suburbana era bastante conservadora e, de início, houve forte reação à presença daquelas mulheres quase sempre maquiadas, que vestiam calça comprida e tamancos. À frente do grupo, Zaquia foi muito hábil em conquistar os moradores sem ir para o embate. Passou a frequentar o bairro, a conversar com todos, e aos poucos ganhou a simpatia da população local. Em todas as entrevistas que fiz com mulheres que eram meninas ou adolescentes na época, houve menção ao fato de Zaquia ter sido, para elas, uma espécie de signo de mulher moderna, um modelo de autonomia feminina a seguir.

De que maneira a sua natureza de cronista se manifesta nessa operação de cartografia biográfica?
Marcelo Moutinho – T
alvez na preocupação em tentar enxergar a conjuntura geral a partir de pequenos acontecimentos, ou de notícias que não ocupavam os espaços mais disputados dos jornais. A crônica tem essa característica de buscar iluminar uma situação a partir de ângulos não usuais. Mas tive, durante todo o processo de pesquisa e de escritura, o cuidado em não deixar o ficcionista sobrepassar o rigor histórico. Em que pese o fato de ter, em alguns momentos, lançado mão da técnica literária. Foi o que norteou, por exemplo, a ideia de abrir o livro com a cena da morte precoce e trágica de Zaquia na Barra da Tijuca.

Qual é o teu Rio de berço e de que maneira ele se amplia para o RJ da investigação literária de sua obra mais recente?
Marcelo Moutinho –
Nasci e passei a infância em Madureira. Estudei em Piedade e no Méier, antes de ir fazer a faculdade de Jornalismo em Botafogo. Depois disso, morei na Barra, na Urca, no Jardim Botânico, em Laranjeiras, na Lapa. Rodei literalmente todas as zonas. Norte, Oeste e Sul, além do Centro, e continuo circulando bastante pela cidade. Tanto meus contos quanto minhas crônicas nascem desse perambular, dos encontros que ele proporciona. Mas, como disse certa vez em uma entrevista, Madureira é minha Macondo (referência à terra narrada por Gabriel García Márquez). Pouco importa se já não moro no bairro. Não só na literatura, mas também na vida, é a partir de lá que olho (e escrevo) o mundo.

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