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La chimera revitaliza códigos do cinema clássico

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Qual o valor das coisas? Estariam as pessoas em igual condição de mercado? Estreia essa semana La Chimera, um dos mais enigmáticos concorrentes à Palma de Ouro do último ano. Produção italiana falada em múltiplos idiomas (incluindo o português), essa é a mais nova produção dirigida por Alice Rohrwacher, que só precisaria ter em seu currículo Lazzaro Felice para garantir que nosso interesse por ela continue intacto. Ela continua tentando mostrar facetas tradicionais do cinema italiano através de uma visão cosmopolita de hoje, que acaba por criar uma terceira via cinematográfica. Esse é o fascínio que se estabelece diante da crescente filmografia dessa jovem diretora, cuja carreira está só começando.

Se em As Maravilhas ela investigava os melodramas familiares para construir uma atmosfera gradativamente fantástica, e em Lazzaro Felice ela se valia da tradição do seu país em retratar histórias religiosas de muitas ordens, aqui em La Chimera sua respiração aspira as comédias repletas de amigos em situações fora do comum que fizeram a fama de Ettore Scola e Mario Monicelli. A diferença é que estamos diante de uma Babel de elementos, com personagens de muitas origens e pátrias, e existe mais uma vez uma disposição à desconstrução. Ela é traduzida aqui pela forma frontal com que suas mulheres estão representadas e em como esses arranjos afetuosos se impõem, de maneira natural.

Ao mesmo tempo, Rohrwacher tem domínio da mise-en-scene, e promove um espetáculo de imagens barrocas que sustentam esse roteiro que mostra um grupo de salteadores, ou seja, um bando que vive de invadir catacumbas e mausoléus históricos para roubar seus pertences. Com uma ligação interessante entre tais pessoas e uma ‘marchand’ contrabandista que leiloa as obras de maior valor artístico, o filme investiga o campo imagético com um tratamento estético que nos remete a outra época. Nesse sentido, La Chimera segue padrões de imagem que carregam o filme para outro tempo do Cinema, e também contextualiza essa busca por uma arte que não pode ser apagada.

Sem buscar um gênero fechado para lhe emoldurar, as muitas tentativas de La Chimera tentar comunicação com um dogma específico acabam por gerar um mal estar de intenções muito bem-vindo. Porque não há um caminho delimitado, e sim um número de possibilidades infinitas onde o roteiro possa adentrar, desde uma comédia surrealista até o mais delicado dos romances, do drama histórico até o filme de espionagem nos negócios, uma salada que parece bagunçada mas que guarda um sabor especial. Sem a obrigação de responder a um material só, a autoria do que se vê não apenas amplia suas motivações narrativas, como o faz com a suavidade de quem entende que teria um risco em mãos, resolvido aqui em montagem crucial para os reflexos.

Assim como os planos, as relações humanas também encontram um véu de envelhecimento entre os personagens. A ambientação reveste uma atemporalidade ao que estamos vendo, e por isso cada um dos pontos de contato da produção se comportam de uma maneira anacrônica, o que é outro charme delirante do que vemos. Esse é um traço presente na filmografia de Rohrwacher, o tempo não é um elemento determinante das ações, ele não é algo estanque, podendo estar em representação mutante, de acordo com o detalhamento de cada momento. Em La Chimera, esse é mais um dado que atesta a intenção de sua autora em revitalizar os códigos do cinema clássico, conferindo a obra multiplicidade de olhares.

O elenco de La Chimera, além da presença dos essenciais Josh O’Connor (que também protagoniza outra incrível estreia dessa semana, Rivais), da musa Isabella Rossellini e da irmã da diretora Alba Rohrwacher, temos a nossa Carol Duarte no elenco. Uma das protagonistas de A Vida Invisível, Duarte representa muito da liberdade feminina que o filme simboliza em toda sua duração, através dessa representação moderna a respeito de suas mulheres em cena. Com um final que poderia ser definido como uma apoteose íntima, Alice Rohrwacher tece mais um comentário social, aqui unindo coisas e pessoas para mostrar ao seu protagonista dândi para qual lado da balança suas intenções pesam mais.

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