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“O Veneno do Teatro” é uma eletrizante declaração de amor ao palco

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Um ator vaidoso vai procurar um aristocrata é recebido por um mordomo com ares de filósofo. O contato com o empregado é tenso, pois o artista acredita que o tal funcionário da elite deva “ocupar o seu lugar”… e lá ficar. Numa virada inusitada do Marxismo, a luta de classes toma o tal ator, chamado Gabriel de Beaumont, de assalto: o empregado não é quem disse ser. Ele é “O” patrão, o Marquês, um cientista rico que tem dois fascínios: um deles é a arte teatral, o outro é a Indesejada das Gentes, a Morte. É entre esses dois vértices que a geometria a um só tempo eletrizante e divertida de “O Veneno do Teatro” se estrutura. O terceiro vértice é a vaidade, traduzida nas veleidades mórbidas de um homem rico e nas onipotências de Beaumont em relação ao próprio talento e a seus ensejos por aplauso.

O texto do espetáculo, escrito em 1978, é do escritor valenciano Rodolf Sirera, autor de “Punt de Fuga” (1999) e “Funció de Gala” (1987). A montagem traz acordes feitos ao vivo pelo músico Matis Roque Fidelis, que temperam a tensa relação que se estabelece na dramaturgia, na elegante montagem encenada por Eduardo Figueiredo. Seus personagens se engalfinham em cena como sir Laurence Olivier e Michael Caine faziam em “Sleuth” (“Jogo Mortal”), um roteiro de Anthony Shaffer sobre as artimanhas da enganação e da manipulação.

Em “O Veneno do Teatro”, Beaumont encontra em seu intérprete, Maurício Machado, um aríete para desbravar os limites da fragilidade inerentes à soberba. Seu trabalho vocal é especialmente engenhoso para dar uma gradação ao estado de espírito de uma figura que se encontra numa cilada. Mas o texto de Sirera tem muitas (mais) camadas que não fincam Beaumonte só no lugar do mambembe vaidoso. Aos poucos, a paixão dele pela arte de atuar e seu respeito pelos rituais da interpretação dão tridimensionalidade a seu desenho cênico. O que vemos é uma pessoa acuada, mas cheia de proficiências, de destrezas.

Do outro lado desse ringue, qual um Rocky Balboa com fome de vitória, aparece Osmar Prado, um titã, que esgrima com Maurício num profundo respeito. Seu Marquês consegue ser Jekyll e ser Hyde. É um monstro de fino trato, de fala empolada, mas sedento por sangue. Pouco a pouco, cena a cena, as palavras de Sirerar desnudam sua psicopatia diante do cenário suntuoso de Kleber Montanheiro, iluminado de modo dionisíaco no desenho de luz de Paulo Denizot.

O resultado desse experimento é um estudo de essências – o Mal de um lado; a Ambição, do outro – permeado por um louvor ao teatro como um lugar de saber onde toda verdade aflora na fricção com o Tempo, no espaço sagrado do palco.

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