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Let it Be: Disney+ resgata versão restaurada por Peter Jackson

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No ano em que eu nasci, mais especificamente 13 dias depois do acontecido, Robert Zemeckis, vencedor do Oscar por Forrest Gump, lançava seu primeiro filme como diretor. Seu título no Brasil era Febre de Juventude; no original, I Wanna Hold Your Hand, título também de um dos incontáveis sucessos dos Beatles, considerada mundialmente, a maior banda de Rock de todos os tempos. Fui criado em uma família cheia de música, com dois irmãos ligados à ela diretamente (um cantor e um técnico de som), então os Beatles estiveram na minha vida desde sempre, mas esse filme de Zemeckis foi quem me apresentou ao fenômeno incontrolável surgido dezoito anos antes. Esse fenômeno gerou uma série de marcos, e um deles se chama Let it Be, filme dirigido por Michael Lindsay-Hogg que a Disney+ resgata em versão restaurada por Peter Jackson para seu acervo e que foi lançado originalmente em 1970, meses antes da separação da banda.

 Let it Be

Esse registro das últimas gravações dos Fab Four traz um recorte temporal marcante porque, historicamente, aquele já era um período de turbulência irrefreável entre seus integrantes, embora a faísca do brilhantismo nunca deixe de surgir intacta. Lindsay-Hogg, no entanto, soube penetrar no que de mais ambicioso poderia ser diagnosticado por um material audiovisual: o início do fim. Há 3 anos atrás, Jackson lançaria uma minissérie a partir da extensa quantidade de material de 50 anos atrás, “Get Back”. Embora aquele material seja impossível de mensurar a importância, o que vemos em Let it Be é o derradeiro encontro já vislumbrado pelo autor e narrado às avessas visualmente, ao mostrar que eles chegam em separado mas terminam a jornada juntos. Certamente, um doce desejo de encapsular outro futuro para o quarteto, com um registro esfuziante e muito quente de um momento perdido.

Além disso, Let it Be parece conseguir traduzir tanto um tempo passado quase onírico naquele instantâneo, quanto as personalidades contrastantes de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. O afastamento que Lennon já sentia de tudo que fica evidente em seu auto apagamento, o carisma inesgotável de McCartney que parecia roubar uma cena que ele percebia escorrendo pelos dedos, as crises que Harrison já deixava claro através de uma imagem que queria esconder, a expressão distanciada de Starr como a compreender o fim da linha. Apesar de todos os sinais, a vibração da banda em dividir acordes juntos deixava claro que existia mais do que contratos ali, e sim uma amizade que, ainda que prestes a ruir, ainda se mostrava fervilhante.

A cena de abertura mostra um espaço sendo ocupado pela preparação anterior aos encontros de seus integrantes, cenário prestes a ser preenchido pela História. Muitos dos signos que se estabeleceram com a mitificação em torno dos Beatles e de Let it Be são imortalizados pelas imagens conseguidas pelo fotógrafo Anthony B. Richmond, que passeia com muita propriedade pelos conflitos das entrelinhas. A figura de Yoko Ono sempre presente, muitas vezes explicitada para separar as imagens de John e Paul, os diálogos que denunciavam o desgaste natural entre pessoas que foram arremessadas em um furacão muito jovens. É a câmera sempre posicionada nos lugares corretos, para mostrar além da música; capturar o espírito do tempo, hoje parece fácil perceber, mas cuja atemporalidade está no que seria mais abstrato.

O poder do tempo, de como ele se faz tão definitivo quando se registra de maneira indelével, e de como a imagem tem um compromisso muito feliz com a eternidade. Nada mais está intacto quanto ali – a matéria de alguns se desfez, a juventude também se foi para outros. Em Let it Be, no entanto, tudo é perene naquela polaroid de 55 anos atrás; não há conectividade global, não há forma de comunicação que não seja verbal, não existe o eterno tornado particular. De repente, do alto de um telhado em Liverpool, um show exclusivo da Maior Banda da Cidade, apresentando seu novo trabalho recém concluído. Não pode ser de outra forma que não no imediato, onde tudo pode acabar a qualquer momento – inclusive literalmente.

Durante 80 minutos, não estamos mais em 2024, o mês é janeiro, o ano é 1969. Assistimos à derradeira tentativa das pessoas mais famosas da Terra naquele momento em tentar perdurar o que já era passado para cada um, particularmente. Let it Be é, a um só tempo, magnético como essa verdadeira vontade de estar ainda juntos, e absolutamente melancólico, pelo que está impresso no que hoje já sabemos. Lindsay-Hogg, sem saber, concebia assim uma das primeiras máquinas do tempo que se tem notícia, que nos carrega para um período que a ampulheta fez desaparecer. Mas que de alguma forma que não se sabe como, está intacta ali naqueles planos; retornar a eles significa a real vitória do Homem sobre o Tempo. Let it Be é a prova de que a imortalidade, física e imagética, não só é possível como está acessível a quem foi registrado ali.

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