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A Hora da Estrela volta aos cinemas em versão de restauração digital em 4K

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Antes de mais nada, a afirmação concreta: A Hora da Estrela é o maior e melhor filme brasileiro dirigido por uma mulher na História. Ainda que possa criar uma discussão em torno dele e de Mar de Rosas, de Ana Carolina quanto a esse mérito, o filme dirigido por Suzana Amaral é um monumento do nosso cinema, e quanto a isso não há muito debate. O lançamento de sua cópia restaurada dentro do belo programa que a Sessão Vitrine vem organizando a respeito de organizar nosso acervo dentro dos cânones merecidos é muito providencial. Mês passado, Luiz Fernando Carvalho lançou sua adaptação de A Paixão Segundo GH, com o olhar de Amaral sendo redescoberto aqui, Clarice Lispector tem um reencontro merecido com o nosso cinema, através de sua melhor adaptação.

Esse foi o primeiro dos três longas dirigidos por Amaral, que podemos dizer que fomentou a indústria que temos hoje – ou a coisa mais parecida com uma. Em seu surgimento, poucas existiam para parear com ela as conquistas de uma fatia essencial para qualquer cinema. A já citada Carolina, Helena Solberg (A Entrevista), Adélia Sampaio (Amor Maldito), Tizuka Yamazaki (Gaijin) estavam entre elas, e hoje esse número multiplicou muitas vezes, quando temos hoje uma média de 30% de ocupação feminina na direção de longas. Ainda é muito pouco para pensarmos em paridade, mas A Hora da Estrela é um dos responsáveis por esse avanço, com a múltipla premiação recebida por ele, incluindo o prestigiado Urso de Prata de melhor atriz para a estreante Marcélia Cartaxo.

Sem incorrer na falsa ideia de que transformar em imagens a prosa poética de Lispector seria tratar a condução de uma maneira liberta de concretude, Amaral acerta ao situar a histórica Macabéa em um ponto de excessos. O que vemos, então, é algo oposto ao que essa sugestão faria. Em meio a um olhar que mistura a inocência do novo com a ausência absoluta de autoridade, A Hora da Estrela revela de maneira crua mais uma investigação sobre o choque ocasionado pelo estrangeiro nos grandes centros. A direção e a narrativa naturalizam o que poderia estar sendo exposto em forma de protesto venal; em seu lugar, a crítica é feita a partir de uma dor nunca sentida.

Com a restauração comandada por Débora Butruce, a fotografia de Edgar Moura é valorizada, conseguindo o vigor que transforma A Hora da Estrela em algo tão contemporâneo, indo além da narrativa. O que vemos na história da imigrante Macabéa é universal e infelizmente ainda perdura, com o naturalismo empregado por Amaral tornando-se um elemento de urgência para o que é mostrado. O universo do qual a protagonista tenta pertencer parece um recorte de realidade comum, mas essa abordagem imagética é acertada porque contrasta com a diminuição que ultrapassa qualquer entrelinha. É um jogo reverso só notado pelo espectador, que acompanha a jornada dessa jovem mulher em busca de um lugar que não a massacre.

O roteiro, que Amaral assina junto a Alfredo Oroz, realça o que Lispector já aborda em sua obra de maneira coletiva. As muitas sensações de incômodo e opressão não estão somente na demarcação espacial e verbal do que vemos, mas cabe a Cartaxo nos fazer compreender a clausura que também é sentida em uma ideia de pseudoliberdade. Tradicionalmente, o Sudeste foi palco de fluxos migratórios de personagens que não faziam ideia de como seriam alvo de xenofobia, doenças emocionais causadas pela humilhação e solidão, em uma tentativa desesperada de oportunidade que não era garantida. Nos olhos de Macabéa não vemos toda a questão política que envolve essa situação, mas a representação exata de um pássaro de asa quebrada, necessitando de cuidados para a promessa de um voo que nunca chega.

Os diálogos cheios de camadas de Macabéa saem da boca de Cartaxo com verdade e um naturalismo que não se percebe ensaiado; tudo que é reproduzido pela atriz parece conversar com um pedaço de muitas existências. Por si só, Macabéa se movimenta como um recorte de poesia em meio ao esmagamento do que é humano. Seu porte diante do mundo, sua postura sem reservas diante de adversidades que ela não captura por completo, são uma fonte inesgotável de detalhes acerca das violências que ela parece não sentir, mas do qual precisa fugir. Uma escapatória que não é lida com a totalidade de expressões que se propõe: o sonho rasgado pela realidade, ou vice-versa? É chegada a hora de Macabéa brilhar, com a intensidade necessária para tornar-se inesquecível.

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