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Grande Sertão – Guel Arraes transforma clássico mineiro para a realidade urbana das favelas

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Um dos grandes autores nacionais, Guimarães Rosa, usou o sertão da fronteira de Minas Gerais e Bahia como plano de fundo para criar uma narrativa equivalente a uma tragédia grega. “Grande Sertão: Veredas” é um dos maiores clássicos da literatura brasileira e que já foi adaptado várias vezes, tanto para cinema quanto televisão. Aqui o diretor Guel Arraes, em conjunto de Jorge Furtado, adaptaram o sertão mineiro para uma favela chamada Grande Sertão. No filme, o protagonista Riobaldo (Caio Blat) conta sobre a saga sangrenta e violenta que foi a guerra entre Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi) e Zé Bebelo (Luis Miranda) pelo controle do sertão, em paralelo com sua paixão por Diadorim (Luisa Arraes).

O grande desafio da direção de Arraes era trazer esse tom de tragédia grega para o ambiente da favela, pois o grande marco de Guimarães é fazer uma guerra de terra soar como a Guerra de Tróia. Felizmente, o roteiro de Arraes e Furtado faz adaptações impecáveis para o ambiente urbano sem perder os conceitos base de guerra e honra, glória e hombridade. Até mesmo o romance entre dois homens é adaptado maravilhosamente, tema que também é recorrente em tragédias gregas, basta lembrar que Aquiles entrou em guerra contra Tróia para vingar a morte de Pátroclo, seu amante. A concepção de arte de Grande Sertão parece uma mistura bem equilibrada de Tropa de Elite com Mad Max, pinturas de guerra com motos decoradas ao lado de tropas militares negras e um líder incorruptível.

A direção fotográfica também lembra filmes mais urbanos de favela, bem ao estilo Cidade de Deus. Ao passo que o texto é impecável e belíssimo, que também é marca dos grande filmes de Guel Arraes, como Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro. Em vários momentos o texto é literal com o material original de Guimarães Rosa. Essa limpeza das falas inclusive acaba acarretando algumas questões acerca da edição de som de Grande Sertão. Acontece que parece muito que as falas foram gravadas em estúdio e não no momento da gravação da cena mesmo, ainda que preserve a limpeza e a clareza do texto, acaba por desconectar um pouco a atuação daquela realidade suja onde os personagens se encontram.

Guel Arraes lida bem em dirigir atores em personagens prolixos, caricatos ou que gesticulam muito, todos estão presentes no filme. Os personagens são explicados calmamente à medida que surgem na trama e são fáceis de se entender. Ainda que o texto seja muito erudito, ele não soa estranho na boca daqueles personagens graças a atuação do elenco.

Grande Sertão não chega a ser um Auto da Compadecida, pois a sua proposta nem é essa. Ele cumpre a função original da obra de Guimarães Rosa que é tratar o sertão, a luta entre ordem e caos, existem dentro dos homens. E ter colocado esse épico dentro da realidade periférica brasileira traz a grande citação do livro: viver é muito perigoso.

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