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“Não Me Entrego, Não!” mapeia a excelência histórica de Othon Bastos

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Coroado por frases dignas de anotação como “O riso é a gasolina do espírito”, o estonteante “Não Me Entrego, Não!” é uma ciranda de recordações e (re)vivências que começa com a entrada de uma personagem chamada Memória. Vivida com austeridade e simpatia por Julia Medella, ela se estica, movimenta o corpo e acende uma luz, como se fosse um fluxo neuronal na caça por palavras há muito inutilizadas ou de lembranças esquecidas. Com o aquecimento feito, entra em cena o maior ator do teatro brasileiro em atividade: Othon Bastos!

Não me entrego, não

Ao longo de 1h30, 1h40, Othon vai se reportar à sua parceira de cena como se ela fosse seu Grilo Falante, ou seja, uma porção de sua consciência. Ela traz informações de Wikipedia, brinca de Google e diverte a plateia enquanto Othon dá uma aula em cena com uma aula de si mesmo.

No molde do que fez no rasga-coração “Judy: o arco-íris é aqui”, o dramaturgo e diretor Flávio Marinho quebra com as convenções clássicas das peças biografias e deixa seu protagonista falar de si com digressões à vontade. Al~ém disso, em “Não Me Entrego, Não!”, relatos são espatifados em prol de reflexões sobre a arte de atura – e seu papel social – em prol de citações, de Emily Dickinson e Mario Quintana, aliás, que é espatifado logo se rearranja poeticamente. Othon não perde o foco das andanças que fez para ser (e se manter) ator da infância até a chegada aos 91 anos. Com fôlego de guri, ele pula, grita, rodopia e narra sob o som discreto da dionisíaca trilha sonora de Liliane Secco, e o conselho que recebeu da professora Eliete, quando menino, de nunca trabalhar com arte.

Em sua rememoração, Othon lembra do desejo (nunca realizado) de ser dentista, da estreia artística num coro, das figurações mudas que fez em Londres e do filme “Sol Sob a Lama”, de Alex Vianny. Ao fundo o delicado painel de imagens armado pela cenografia do craque Ronald Teixeira, resgata alguns dos filmes que fez, devidamente iluminados em cena por Paulo Cesar Medeiros quando citados. Estão lá “São Bernardo” (1972), de Leon Hirszman, e, com destaque pleno, “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha, que deu a Othon seu maior papel: o cangaceiro Corisco. O título do espetáculo de Marinho vem de uma frase desse ícone do banditismo social.

Com uma voz que mais parece um trovão sobre a Terra, Othon Bastos se lembra do processo de filmar com Glauber. Reconta as trocas que teve com o realizador baiano e celebra o êxito do filme, antes de flutuar pelos feitos da Companhia Teatral que teve com sua mulher, Martha Overbeck, e recordar-se de montagens de “Um Grito Parado No Ar” e de “O Jardim das Cerejeiras”. Trechos de cada uma dessas peças vêm à tona, conforme Othon se imola em cena numa doação generosa que jamais perde o foco da grandeza do palco como espaço de descarrego, de vida e, sobretudo, de verdade. O resultado de “Não Me Entrego, Não!” é uma cartografia da excelência (plena) de um titã. Uma cartografia que diverte e comove, fazendo amadurecer a escrita de Flávio Marinho e sua sabedoria na arte da escuta e no exercício fino da empatia.

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