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Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou

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Quando começamos a pensar nas semelhanças pouco ortodoxas entre a estreia de Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou e um outro filme lançado há apenas um mês, Às Vezes Quero Sumir, o espectador pode perceber a curiosidade sobre tais. Lançados pela mesma Synapse Distribuição no Brasil, ambos são comédias indies estadunidenses, dirigidos por mulheres, centrados em protagonistas femininas com as vidas estagnadas, e que elaboram sua realidade por um prisma fora do comum. O público que curtiu o filme de Rachel Lambert é justamente o que mais encontrará acolhimento pelo que Joanna Arnow propõe aqui, que tem uma radicalidade em sua estrutura, e uma exigência profunda no que abriga narrativamente.

Arnow, além de dirigir, ainda escreve e protagoniza a produção, e acumula mais do que funções aqui. Ela também é a responsável por ilustrar um quadro pouco comum para o espectador de cinema tradicional, que é o universo do BDSM, prática de envolvimento sexual que envolve dominação, submissão, masoquismo. Ainda mais, porque tais elementos geralmente trazem o componente masculino como dominador e agente da ação; a protagonista Ann aqui é a figura que tem as rédeas da situação. Em todos os sentidos, Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou é uma produção que não concessiona suas diretrizes, e isso pouco tem a ver com o sexo que o filme aborda.

Não se trata de um filme explícito sexualmente falando, mas justamente pela sugestão que propõe, e pela forma insidiosa como trata as relações humanas, seus pouco confortáveis limites e pela maneira despudorada com o qual focaliza as perdas de sua protagonista, acaba gerando tal incômodo. Como o projeto é todo concentrado em sua autora, Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou mapeia sua autoria de maneira absoluta, sem que possamos buscar vítimas ou culpados pelo que vimos. Mas é justamente no emocional de uma personagem tão ativa na cama e com tantas dúvidas fora dela que o filme consegue acertar em seu alvo, para que a identificação não seja total.

Arnow performa uma expressividade, tanto como realizadora quanto como atriz, bem diferente do que o cinema mais direto (e duro, em sua obviedade, muitas vezes) costuma proporcionar. Sua entrega está em outro lugar, um tempo de respiro artístico menos comprometido com o que é esperado pelo lugar comum. Em tempos de velocidade, um filme falado em inglês que se embrenhe sem a pressa que vemos em grande parte das produções como Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou já se torna uma pedida nonsense. Ao acompanhar os esforços da autora em tirar da zona de comunicação qualquer facilidade, e ainda assim permanecer com uma leitura fluida, é a prova de que o cinema americano ainda não se pasteurizou absolutamente.

É no seu desempenho como atriz que o filme consegue um respiro que o torna menos óbvio dentro do que se espera de um típico representante do cinema independente estadunidense. Tratado cada vez mais com desprezo por uma parcela considerável da cinefilia, particularmente não tenho atrito com tais filmes. A chegada de algo como Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou ao circuito, no entanto, mostra que existe sim uma paleta de tons emocionais e narrativos que se repetem nesse cinema. Aqui, o trabalho de Arnow é o que com justiça vaporiza nossas impressões a respeito de algum sossego; não há, de verdade, algo aqui que pareça mesmice. E é a figura de Ann, sua postura em relação ao desgaste com que enfrenta sua realidade – que é nada rotineira – e a suavidade com que se entrega ao desejo, que compõem esse quadro tão crível.

No meio de uma atmosfera que pode provocar o tédio do espectador (e a função do filme é exatamente acessar tais sentimentos), Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou também é reflexo de um cinema que luta todos os dias contra a estagnação. Talvez sua própria existência seja um grito de alerta contra o cinema mais manufaturado do mundo, exatamente o produzido nos Estados Unidos da América. Encontrar Ann e sua contínua expressão de desespero camuflada por uma placidez intocável é uma maneira de lembrarmos que não apenas existem muitos personagens ainda não narrados pelo cinema, como também uma amostra grátis dos lugares diversos que vários lados de uma realização pode adquirir, do roteiro ao campo de atuação de seus profissionais.

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