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Pequenas Cartas Obscenas: Uma comédia obscena sobre Fake News

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Quando pensamos numa narrativa tipicamente britânica, com aquele tom de humor peculiar aos ingleses, principalmente ao orquestrar tais características em uma farsa ambientada há quase 100 anos atrás, não pensaríamos em Thea Sharrock para comandar tal equipe. Cineasta ainda com poucas produções no currículo e afeita a filmes mais dramáticos e menos arriscados, tinha tudo de sair do eixo na sua nova empreitada: Pequenas Cartas Obscenas, que estreia essa semana nos cinemas.

Escrito por um especialista em séries de TV, o filme se prova a cada novo avanço, contando com diálogos que merecem ser revistos e um elenco irrepreensível. A combinação dos fatores rende essa produção que abandona o tradicional das produções locais. 

Não é uma revolução narrativa, pelo contrário. Jonny Sweet lida com uma espécie de nascimento das ‘fake news’, quando elas ainda tinham caráter próximo, mas já prestes a sair do controle macro. O ambiente é seguro, mas Sharrock lida com o material com muita liberdade para jogar luz em personagens e ações, exatamente os campos de formação do filme. Como trata-se de um espaço que pede a ascensão dos atores e do texto, Pequenas Cartas Obscenas não se furta a deixá-los à vontade, mas com um olhar muito atento para a forma como é desenvolvida a relação com o espaço físico que todos se encontram, por tratar-se sempre de sufocamentos, sejam eles espaciais ou emocionais. 

É o olhar para a casa ao lado, metaforicamente na vida real, que Pequenas Cartas Obscenas tenta traduzir na imagem. Provavelmente se fosse concebido por outra cinematografia, o próprio arranjo do filme sugeriria um arrojo estético que lhe impusesse frescor. Como trata-se de um longa britânico, e em que pese tais considerações acerca de uma elegância disfarçada de sossego (por vezes excessivo), o que sua autora tenta aqui é reavaliar a rota comum de seus conterrâneos. Isso se torna perceptível no ritmo da montagem, e na tentativa de dinamizar um roteiro que pede por essa onda frenética. Sem adentrar a seara de gênero com vontade, mas constatando que se pode ir além, o filme acaba elevando o que se esperava dele ao subverter as expectativas. 

Que o roteiro se torne uma experiência bipartida a partir do ponto de vista de três protagonistas, e isso movimente justamente a proposta policial da narrativa (A Vítima, A Ré, A Lei), é precisamente aí que o jogo para o espectador torna-se mais prazeroso. Pequenas Cartas Obscenas é, de muitas formas, um exercício de construção de arquétipos para definir papéis sociais claros na mola proposta – tematicamente, a utilização diária dos conceitos de Justiça e Justiçamento, na trama e no campo social histórico. Quando cada um dos três arquétipos começa a evoluir para outro campo, o roteiro do filme começa a mostrar exatamente suas armas: a subjetividade está em todas as coisas, dependendo sempre de quantas peças temos de um quebra-cabeça, para compor o quadro geral. 

Para tanto, suas três atrizes protagonistas (Olivia Colman, Jessie Buckley e Anjana Vasan) desfilam repertórios dos mais variados para moldar cada aspecto a seus naturais atributos. A primeira, já vencedora de um Oscar, não cansa de demonstrar inúmeros lados de uma mesma moeda, dotando sua Edith de possibilidades infinitas; o espectador acredita em cada uma delas porque Colman a espelha desse tamanho. A segunda, indicada na Academia, é uma das mais astutas jovens atrizes e que aqui encontra material para explorar ambiguidades, força e fragilidade, sem desequilíbrio e indo em intensidade máxima, sem parecer caricata. A terceira é uma jovem promessa singapurense que parece desenhada por Wes Anderson, e que não esmorece diante da envergadura de ambas, mostrando sempre autoridade em cena.

Com o peso de carregar uma ideia que poderia soar histérica a qualquer passo em falso, e que acaba se mostrando muito mais assertivo do que inicialmente teríamos em mente, Pequenas Cartas Obscenas nos provoca ao adentrar um universo ainda refém do patriarcado, desafiando convenções que não cessaram em sua época. Cada uma das vozes em cena parece disposta a enfrentar o que poderia ser feito naquele exato momento, para ampliar uma discussão atual sobre a conquista de espaços para o sujeito feminino. O direito de ser livre a todo custo, o direito de ter a própria história e o direito de transgredir – cada uma em cena, mesmo obedecendo a um arquétipo, quer também poder pular a cerca para o direito vizinho. E querem saber? Elas podem, o que quiserem. 

Detalhe, o filme é baseado em fatos reais!

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