- Publicidade -

Estranho Caminho: Guto Parente traz olhar contemporâneo, com muita brasilidade

Publicado em:

O cinema brasileiro, se nos desprendermos das lógicas de mercado fáceis e do que é propagandeado amplamente, já nos fornece bem mais do que um punhado de motivos de orgulho há pelo menos vinte anos. O Grande Cinema Brasileiro, certamente, pode até esbarrar nos grandes redes cinematográficas e nas bilheterias robustas, mas é na seara da invenção narrativa que cada autor nosso tem se revelado em constante evolução e crescimento, nesse jornada surge Estranho Caminho.

Estranho Caminho

No meio de um grupo cada vez mais diverso, jovem e com vozes muito disparatadas, a de Guto Parente se embrenha com facilidade em lugares que parecem não comportar seu olhar, a princípio. A verdade é que temos aqui um especialista em provar que nossas impressões e julgamentos serão refeitos a cada nova obra. 

Seu novo filme chama-se Estranho Caminho e parece ter um pouco de cada título por onde passou em sua filmografia, e ainda assim não poderia ser mais atual e ao mesmo tempo, hoje parece um episódio de época. Não se trata de um lugar novo exercido por Parente, que parece ter uma olhar forte para o deslocamento temporal em suas obras, criando modelos anacrônicos em sua tradicional humanidade. A diferença é que, dessa vez, ele parece ter tido a consciência de embrulhar em uma situação contemporânea algo que claramente já nasceria envelhecido, um sabor inegável de passado, ainda que tão recente. Isso parece colocar o cineasta em um lugar especial para a ficção científica ou o filme de gênero, ainda que mergulhado sempre em muita brasilidade. 

Apesar de aparentar sempre estar em ambiente novo e estranho, Parente agrega a seus filmes esse inconfundível apreço pela fantasia. Nesse sentido, nada pode ser mais abstrato e fora do sentido de realidade (ainda que absurdamente verídico) que a pandemia de covid-19, presente em Estranho Caminho como acelerador narrativo. Após Seguindo Todos os Protocolos, esse é o segundo título relevante a tratar sobre o tempo pandêmico e o primeiro a usá-lo de maneira a manter tal episódio na linha do desenvolvimento extraordinário para além da própria questão. O que o roteiro também do cineasta abre é a possibilidade, através da construção imagética de seus planos, é a ideia do horror e da fábula em torno da mais aguda realidade. 

A fotografia de Linga Acácio é um dos tomos a embarcar na jornada de David, de Portugal até Fortaleza, às vésperas da quarentena de 2020. De repente, o encontro com o pai depois de tantos anos, adiado e pouco desejado, se transforma em gradual necessidade, e graças a luz de Acácio, o filme se permite a mutação de um gênero a outro, provocando um estado constante de apreensão em suas imagens. Quem conhece a obra de Parente não estranha o tal estranho caminho do título, mas a permissão para embarcar em uma obra que transmite igualmente doçura e apavoramento não é óbvia. É dessa matéria-prima aparentemente fabulosa que o filme mostra que seu cineasta, mesmo quando mostra sua face mais naturalista, ainda está imerso em seus signos mutantes. 

Com um ritmo invejável, o filme flagra as relações humanas que se desgastaram (ainda mais) graças aos eventos de 2020/2021 a partir de uma observação muito surrealista, quase embarcando em uma situação ‘kafkiana’ em determinado ponto. Isso mostra o leque amplo de opções oferecido por Estranho Caminho, que mostra um cineasta que, sabe-se lá como, consegue provar-se mais versátil e encorpado aqui. Ainda que sua textura insinue menos risco, o filme se monta de modo inteligente para que todos os campos estejam possíveis de teste, e isso prova a elasticidade das inspirações dramatúrgicas de Parente, a um só tempo fincado no melodrama e no fantástico. 

Estranho Caminho estreia essa semana depois de ter realizado um feito inédito. Ano passado saiu do Festival de Tribeca com todos os prêmios possíveis dados pelo evento: melhor filme, melhor roteiro, melhor fotografia e melhor atuação, para Carlos Francisco, o pai da família de Marte Um, mais uma vez bárbaro. Guto Parente mais uma vez nos mostra capaz de um cinema de altíssimo nível, onde o reconhecimento se torna um fator natural. Com seus elementos aparentemente díspares expostos sobre a mesa, o filme aos poucos comporta tudo o que precisa ser dito sem deixar qualquer lado descoberto, graças aos moldes que seu autor mais uma vez experimenta, com sucesso. 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
3.870 Seguidores
Seguir
- Publicidade -