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Bia Lessa traz a prosa de Guimarães Rosa carregada de significado e desejo

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Talvez Bia Lessa seja indefinível em sua potência. Como artista, é encarregada de muitas funções: atriz, diretora de teatro multi premiada, diretora de cinema bissexta – e aí entra um lamento nosso, enquanto cinéfilos, porque queremos mais dela na tela grande. Mas muitas coisas capturam Bia Lessa e sua capacidade irrefreável de criar novos mundos, novas dimensões e novas capacidades de provocar. Certamente, não temos como domar uma profissional que realiza algo como O Diabo na Rua no Meio do Redemunho, apenas sua terceira inserção no cinema, vinte e sete anos depois de sua estreia.

Bia Lessa

Dois meses após a chegada do Grande Sertão de Guel Arraes, Lessa surge com sua versão para o mesmo Guimarães Rosa, uma experiência que não poderia ser mais pulsante em sua vibração de arte múltipla. 

Não existe uma forma correta de ler seu novo filme, assim como não fazia sentido tentar definir algo como Então Morri, sua obra anterior, que infelizmente nunca chegou aos cinemas, mesmo tendo vencido a Mostra Novos Rumos do Festival do Rio. Chamaríamos de um documentário encenado, ou uma ficção documentada, a história de uma mulher do nascimento até o passamento, descortinada de maneira emocionante e palpável, à flor da pele dos acontecimentos. Essa textura muito humana também está presente em sua transposição do espetáculo teatral pelo qual ganhou o Shell e o APCA, onde ela consegue se aventurar por um campo vasto de ideias para transformar o que deveria ter as marcações do palco para algo que nunca deixa de ser cinema. 

A começar pelo texto rascante de Rosa, que vai no âmago do Brasil mais profundo que se mostra muito arcaico e absolutamente contemporâneo. Lessa não tem medo da ousadia que seria manter tais diálogos de compreensão radial, e encenar uma produção cinematográfica com a liberdade poética que o teatro permite. Mas também é ofertado em O Diabo na Rua no Meio do Redemunho uma dose generosa de imaginação e de justaposição de formas, conseguido através do mergulho de cada espectador. Ainda que não seja a experiência mais fácil, ela também se mostra carinhosa pela forma como abraça suas questões e retorna ao espectador de maneira pouco convencional, uma porta de entrada para que o lúdico crie. 

Para isso, a fotografia de José Roberto Eliezer é essencial para que o espectador seja contaminado pelo que vê e sente. Com um currículo histórico que inclui Filme DemênciaA Dama do Cine Shangai Encarnação do Demônio, Eliezer nos transporta para todas as sensações que a direção de Lessa nos incumbe. Algumas passagens nascem clássicas, como a travessia dos barcos e o voo dos pássaros, onde o fotógrafo cria uma luz tão verdadeira para os movimentos que a diretora propõe, que nossa sensação é de estar presenciando cada um daqueles eventos. O que no papel é difícil de traduzir, a sensação de estar na sala escura assistindo O Diabo na Rua no Meio do Redemunho é a de um mergulho radical no somatório de algumas de suas capacidades de encantar e envolver. 

É a prosa de Rosa carregada de significado e desejo, é a mola propulsora do teatro a perseguir uma montagem que salta do artifício para a beleza do concreto, e o cinema que amalgama todas essas diferentes intervenções de arte. O resultado é algo sem precedentes, tentado outras vezes mas que nunca antes havia alcançado tamanho resultado, ou que ele se tornasse tão efetivo no que apresenta. Com um elenco brilhante onde se destacam a garra de Leonardo Miggiorin e a presença de Daniel Passi, é somente aqui que Caio Blat parece encontrar seu Riobaldo, e não ao lado de Guel. Com um entendimento desse universo já garantido há pelo menos sete anos, Blat em O Diabo na Rua no Meio do Redemunho entende toda a cólera, toda a paixão e toda a dor que seu personagem carrega, no que ele responde com perfeita entrega. 

Com o elenco certo, a edição fluida de Sergio Mekler e Renata Catharino, e a fotografia de um mestre que volta ao auge como Eliezer, ainda assim O Diabo na Rua no Meio do Redemunho tem uma dona, e ela se chama Bia Lessa. É ela quem nos consegue fazer enxergar o que não existe em cena – o sangue, as armas, o mar, o vento, o amor, o ódio. É um processo vibrante cheio de honestidade no que está sendo apresentado, que contagia quem assiste e nos mostra novos caminhos para algo tão mutante quanto o cinema. Através de Lessa, é virtualmente impossível que consigamos chamar esse título pela infame alcunha de ‘teatro filmado’. Como é teatro, se cada coisa nominada é vista e apreciada durante a sessão? A responsável é sua autora, que nos faz crer no impossível graças ao seu dom de dar vida ao inominado, mantendo viva a rara manutenção da imaginação no cinema. 

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