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Stop Making Sense reverbera uma experiência coletiva impressionante

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Os anos mais interessantes da música (ao menos para os saudosistas, do qual sou adepto explicitamente, que viveram o período) devem ter sido as décadas de 70 e 80, pela polifonia de estilos musicais que eclodiram no mundo todo. No Brasil, fomos da Tropicália ao crescimento mundial da Bossa nova, indo até o boom do Rock brasileiro, além de termos sidos influenciados pela Disco Music que varreu o planeta. Lá fora, não vivemos apenas de Donna Summer, mas também vários registros de pop foram acrescidos com a chegada da MTV, além do rock ter se desdobrado em inúmeras vertentes, como o progressivo, o punk e metal. No meio desse segmento, coisas disfuncionais surgiam, como o Talking Heads; a estreia, somente quarenta anos depois, de Stop Making Sense em salas comerciais, corrige uma série de erros históricos, nossos com a música e principalmente com o cinema. 

Remasterizado em 4K, sendo disponibilizado em salas IMAX onde elas estiverem no país, podemos dizer que finalmente veremos Stop Making Sense; o que existia anteriormente não faz jus à experiência de encontrar David Byrne e companhia naquele palco, cantando aquelas músicas, naquele dia. Uma fusão inusitada entre o rock, a ‘new wave’ com batidas vindas de tantas partes do mundo quando possível, utilizando elementos africanos com frequência, faz do Talking Heads uma banda com poucos precedentes. O que o filme faz é colocar, às luzes de 1984 e reverberando quarenta anos depois, o histórico de uma banda que esteve em atividade por “apenas” 17 anos, mas que influenciou algumas gerações de músicos. O porquê de tudo está naquele palco. 

O Talking Heads já existia há 10 anos quando o concerto foi lançado, tendo sido dirigido por alguém cuja carreira demonstrou tanto talento para a disrupção quanto a própria banda. Jonathan Demme foi um cineasta singular que dirigiu o primeiro filme no mesmo ano de formação da banda, mas cuja carreira só encerraria com sua morte, em 2017 – seu último filme, Ricki and the Flash, foi também seu último encontro com o rock, nessa comédia romântica estrelada por Meryl Streep. Sete anos depois, Demme teria a consagração mundial ao se tornar um raro cineasta a vencer o Oscar pelo melhor filme de sua carreira, O Silêncio dos Inocentes, um clássico absoluto que, coincidência das coincidências, inspira Longlegs, outra estreia da semana. 

Mas o que o espectador assistirá nas gigantescas telas por pelo menos uma semana no Brasil não é a história de Demme, Byrne ou dos demais integrantes – Chris Frantz, Tina Weymouth e Jerry Harrison. E sim, a História de um show tão único que só poderia mesmo ser registrado e oferecido a quem não pode assisti-lo pessoalmente. Não tem a ver com a qualidade do que é musicalmente apresentado pois isso pode ser encontrado em gravações de áudio. O que torna a experiência coletiva impressionante em Stop Making Sense é o conjunto de fatores, onde se inclui também a música, mas que está no rosto de seus integrantes, está na formação daquela direção de arte (é um filme né… podemos adereçar o palco de uma conjugação cinematográfica), está principalmente na energia que parece saltar de cada sequência musical, que é elaborada como um crescendo perfeito. 

Está no carisma sem igual que cada um de seus integrantes exibem em cena, e isso é ampliado pela chegada dos convidados Lynn Mabry e Ednah Holt (vocais), Bernie Worrell (tecladista), Steve Scales (percussionista) e Alex Weir (guitarrista). Demme elabora algo parecido com o que de mais qualitativo foi na captação de um show, exclusivamente, porque o filme é exclusivamente o palco daquela noite. Não há bastidores, não há camarim, não há uma breve apresentação da vida de cada um; há exclusivamente a energia incandescente que aquele grupo emana de maneira cada vez mais hipnótica, no público presente e no ausente – nós. Saímos de Stop Making Sense sabendo de nada pessoal de ninguém que a câmera foca, e tudo de sinergético a respeito de cada um. E que o prazer inegável que eles sentiam ao propagar aquilo foi alcançado. 

Muito diferente da experiência frustrante, por exemplo, de Tipos de Gentileza, de onde saímos com a impressão de que alguém riu de nós, Stop Making Sense é um filme-convite, que nos atravessa de sensações físicas e emocionais. Estamos conectados ao rosto constantemente em close dos participantes da espécie de missa celebrada em conjunto. A sensação de apaixonamento por cada um em cena se repete ao longo da projeção, com o pensamento atravessando não ser possível que aquelas pessoas consigam ser mais sedutoras do que Demme mostrou. E é uma sedução não necessariamente carnal (embora sim, possa ser), mas de uma categoria cada vez mais escassa entre grandes artistas, que ultrapassa carisma e talento. Existe verdade no que é feito, e isso nos captura de maneira irreversível. 

Por fim, David Byrne não é um ser humano comum. Não é mais um homem. Fui apresentado a ele ainda criança; a Globo, que já foi uma emissora muito mais de vanguarda, exibia com alguma frequência uma produção de título Histórias Reais, dirigida por ele. Na minha infância, eu via a psicodelia daquelas intenções, e nada entendia, mas era alucinado por ‘Wild Wild Life’. Aos poucos, captei que era Byrne o responsável pelo fascínio absoluto. Sua arte, sua mente, sua capacidade, onde seu ápice talvez tenha sido durante o Talking Heads. Tudo o que podemos saber de melhor sobre o artista, está em sua performance em Stop Making Sense, desde a entrada em cena para a apresentação de ‘Psycho Killer’. Ali, já estamos adeptos. E está só começando… 

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