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Black Rio! Black Power! investe no cinema como arte

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“O cinema é a arte de ver”, diz uma personagem nas cenas finais do clássico No Decurso do Tempo (1976) para Bruno (Rüdiger Vogler), o reparador de projetores de filme que protagoniza o longa-metragem. Essa simples frase, além de conferir dimensão poética às 3 horas anteriores do filme em preto-e-branco do mestre Wim Wenders, me fez refletir sobre o documentário brasileiro que vira na sessão anterior, Black Rio! Black Power! (2023), e suas qualidades.

Logo na abertura, Black Rio! Black Power! investe ativamente no cinema como essa arte que trabalha a imagem para o espectador ver. Enquanto a narração em off introduz a história, homens montam e reformam o paredão de som característico dos bailes de soul que virariam uma marca do movimento — e, hoje, é um grande símbolo de sua herdeira Furacão 2000.

O outro momento em que o cineasta Emilio Domingos trabalha a imagem com esse refinamento simbólico e narrativo ocorre no final. Nessa sequência, os “talking heads” que passaram a última hora inteira falando sobre o impacto da música soul e do movimento black se transformam, visual e metaforicamente, em pessoas de corpo inteiro;  aqueles personagens históricos se levantam de suas cadeiras e começam a dançar, provando na prática que suas memórias antigas de juventude estarão para sempre com eles — em seu gingado, em cada passo que fazem, dançando plenamente na terceira idade.

Isso é o cinema como “a arte de ver”, e a melhor forma (audiovisual) de representar um lema desses movimentos: “O negro é lindo”. Contudo, essa fina combinação de criatividade e elaboração narrativa é pontual. Black Rio! Black Power! é, na maior parte do tempo, um documentário tradicional, imbuído de um objetivo modesto: contar uma história. De modo quase jornalístico, sem sobressaltos narrativos ou incorporar elementos da ficção (como fazem os docudramas) para potencializar a experiência cinematográfica.

Então, entre depoimentos e imagens de arquivo, a atratividade do filme fica toda restrita à relevância da história sendo contada — e nisso, e em sua curta duração, o documentário se segura bem. Afinal, estamos diante de uma história feita de muitas histórias, todas elas inspiradoras, que simbolizam valores como a resistência, a beleza, a autoestima e o orgulho de um povo pobre e preto oprimido nas periferias em plena Ditadura Militar.

A propósito, esse valores culturais do Movimento Black Rio se manifesta por meio de belos símbolos — e todos eles são reforçados ao longo do documentário. O tênis plataforma, capaz de deixar as pessoas mais altivas e ressignificar o “diferente” (pejorativo) como diferenciado (motivo de orgulho). Os cumprimentos elaborados entre si, numa metáfora de fraternidade, conexão e senso de comunidade. O punho cerrado em riste, que dispensa comentários, mas ali reforça que o movimento fez dança, fez soul e fez luta. E o pente garfo, instrumento para armar o cabelo black power cuja importância sintetiza a de todos os outros símbolos numa frase emblemática: “Nosso cabelo era como uma coroa”.

Depois disso, quando uma nova foto de arquivo surge em cena e vemos aquelas pessoas lindas com sorriso no rosto com seu cabelo black power armado, impecável, a imagem de uma coroa ressoa em nossa mente, com força, e Black Rio! Black Power! recupera a potência do “cinema como a arte de ver” outra vez — mesmo emoldurado num formato documental tradicional.

Rodrigo Torres
Rodrigo Torreshttps://rodrigotorrex.wixsite.com/rt-port
Formado em Letras para servir bem à comunicação e ao jornalismo. Crítico membro da Abraccine e filiado à Fipresci.

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