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“Protocolo de Segurança” é o jeito mais engraçado de se entender a (in)segurança pública

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Dirty Harry de Nova Iguaçu, o sargento-tenente-major Peçanha tem uma maneira lúdica de louvar a prática do sexo oral que oferece a suas parceiras: “Craque que é craque tem que beijar o gramado antes de entrar em campo”. A forma como ele se refere à aplicação de antissépticos em machucados também traduz seu lado beletrista ao lidar com as riquezas linguísticas do vernáculo: “Água oxigenada é o banho de espuma do Diabo”. É ainda de sua natureza resvalar em teorias sociológicas sofisticadas, ao afirmar: “Um PM é um pobre com porte de arma”. Agente da Lei consagrado em performances nos vídeos do coletivo Porta dos Fundos e no filme “Peçanha Contra o Animal” (2021), da Amazon Prime, o personagem mais famoso de Antonio Tabet agora destila seu saber nos palcos, num espetáculo sagaz. “Protocolo de Segurança” é (indubitavelmente) um ímã de gargalhadas, mas consegue também ser um estudo apurado dos limites entre o stand-up e a encenação.

Numa entrevista ao jornal O Globo, em 2010, o americano Steve Carell enfatizou que esse tal limite é tênue, respondendo a uma polêmica de então, quando estrelas teatrais questionavam o uso das palavras “ator” e “atriz” para quem faz comédia em pé. Carell disse: “Nenhum artista tem autoridade para julgar se uma forma de comédia, como a comédia stand-up, é ou não é teatro, é ou não é arte. Se alguém sobe num palco e faz alguém rir, se dá prazer a alguém, num exercício de interpretação, há valor nesse trabalho”. Nessa lógica (e em numerosas outras) há muito valor no que Tabet faz no palco, não apenas pela agilidade com que mescla uma tirada irônica na outra.

Em cena, sob a direção cirúrgica de Daniel Nascimento, Tabet utiliza a gramática característica dos shows de piadas para esmerilhar a persona controversa que criou utilizando arquétipos (bolsominions) da Polícia Militar do Rio de Janeiro (e de outros estados da União).

Numa triangulação dramatúrgica entre Tabet e seus coautores Gabriel Esteves e Matheus MAD, o texto de “Protocolo de Segurança” promove uma autopsia em corpo vivo do ethos cheio de bandalheira de quem torce a Justiça em prol do próprio bem-estar. Avesso à ética do “nada na carteira”, Peçanha defende a tese de “quem quer rir deve distribuir alegria”. Assume sem medo a certeza de que “bandido bom é bandido morto”, apresentando-se como se fosse um clichê ambulante de todas as práticas que (tristemente) associam o trabalho policial da contravenção.

Cada vez que escancara sua barbárie, levando a plateia à fronteira entre o que é engraçado e o que é assombroso, o tira da pesada criado por Tabet desnuda a cultura da derrama, do “jeitinho brasileiro”, do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, criando uma (lúcida) ponte entre “Protocolo de Segurança” e as Ciências Sociais. É uma comédia que nos abre os olhos, sintonizada com os preceitos que Aristófanes, o pai do riso, estabeleceu para o gênero nos palcos. Uma catarse contagiante nos chega a cada absurdo gargarejado por Peçanha, mas, com ela, vem uma reflexão, um “Basta!”. Nesse movimento crítico, Tabet comprova não apenas o seu amadurecimento como um midas da gargalhada, mas também a sua maturidade como um pensador das incongruências de seu povo. Sua peça é imperdível!      

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