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 A Substância impressiona visualmente

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Se em algum tempo, 2024 ficar conhecido como ‘O Ano onde as Idiossincrasias do Terror Farão a Diferença”, irei não somente concordar como também reivindicar minha fala a esse respeito. Foi impossível ficar indiferente a ImaculadaA Primeira ProfeciaLonglegsMaXXXineEntrevista com o Demônio e tantos outros que ainda não estrearam. A partir da chegada de A Substância, um outro capítulo do gênero horror se estabelece e Coralie Fargeat, sua diretora, se torna a próxima grande promessa.  Pelo que já tinha criado em Vingança e que aqui ganha um escopo bem mais ambicioso, a diretora demonstra a confiança de uma veterana para contar uma história que nunca se pretende coloquial, mas que mostra seu apelo ao artifício, sem sublinhar o tema. 

A diretora está aplicando um conceito bastante simples por trás de sua obra (algo como “a busca incessante por eternizar a juventude nos transforma”), mas em meio a algo relativamente óbvio, o que se esconde é uma realizadora para não perder de vista e acompanhar as entrelinhas apresentadas nas imagens que cria. Vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes, A Substância vem sendo criticado por alguns como sendo algo simplório, e aí precisamos levantar algumas questões. A discussão sobre etarismo em Hollywood que o filme propõe passa longe da novidade; todos lembram de Crepúsculo dos Deuses. Mas o que Fargeat entrega a seus atores aqui é um apanhado de situações cada vez mais exasperantes e incômodas, que alcançam sua intenção com muito mais afirmação do que Não Fale o Mal, por exemplo. 

Apesar da tal simplicidade, A Substância lida com os parcos personagens que estão em cena de maneira a exprimir entre eles toda a metaforização que uma obra como essa permite. Ao contrário do que uma política responsável por reger o “bom ou o mau gosto”, Fargeat constrói uma obra que se assume simbólica e cada vez mais exagerada, sem medo ou freios. Independente da predileção do espectador por um tipo de cinema mais acertado ou menos, a necessidade por trás das decisões aqui – estéticas ou narrativas –  estão coerentes com a assertividade que pretende a obra. Não cabe cobrar de um filme como esse pudor ou classe (aliás, o que seria uma coisa ou outra, se não apontamentos subjetivos?), quando a ideia aqui é criar um compêndio sobre a repugnância. 

Provocar tais instintos dos mais primitivos não apenas entre os personagens, mas principalmente dissociar tais conceitos do que vemos no audiovisual, e sim nos colocar de maneira muito frontal a esses limites estéticos. A inspiração para a direção continuamente nos arrebatar advém de diretores tão corajosos quanto ela em seus tempos, tais como Brian De Palma e David Cronenberg, mas existe personalidade de sobra em A Substância. Isso porque, na base, é um filme de concepção feminina, que investiga o lugar das mesmas, quando socialmente seu tempo esgotou. Isso é uma das grandes informações narrativas do filme, quando ele começa a costurar tudo o que pretende dizer com a maneira com que suas imagens falam por si. 

É uma escolha deliberada que todas as cenas sejam sublinhadas, e ao contrário do que produções repletas de facilitações que extrapolem o bom senso, aqui temos uma obra que não teme o exagero. Parte dessa extrapolação a respeito do cerceamento que um corpo de mulher deveria ou não montar está presente no campo de discussão aqui, que fala sobre muitas formas de gerar censura entre as vozes femininas – e que recaem sobre o próprio filme. Sujeitos profundamente grotescos, um homem poderoso da indústria chamado Harvey (a quem será a alusão, não é mesmo?), precisam desestabilizar tudo o que não é ‘eles’. Se a representação apresentada ao longo de A Substância provoca e desafia alguns limites, é porque a vida real sem filtros já o faz, no que a sutileza da polidez do real também se mostra cada vez mais nojenta, em suas bolhas. 

Para tais valores serem empregados à perfeição, muito mais do que a juventude audaciosa de Margaret Qualley ou da figura abjeta de Dennis Quaid, temos uma Demi Moore que transpira coragem. E isso não tem muito a ver com possíveis comentários a respeito de sua nudez, ou dos excessos de buscas por seu rosto submetido a procedimentos, mas da coragem com que doa a crueza de uma narrativa que ela conhece tão bem para a frente das câmaras. O que define sua interpretação é a profunda depressão pela qual sua personagem se vê enterrada cada vez mais explicitamente, no que a experiência do título não altera em nada. Moore se entrega a esse sentimento de prostração e cansaço de maneira muito sincera, se deixando levar pelas raias da insanidade com o qual Fargeat imprime a partir de determinado momento. 

Acima de tudo, A Substância impressiona muito visualmente, pela maneira como se recusa a apostar em uma suavidade artística, em um certo bom mocismo com que seria palatável a uma “obra respeitada”. Ao invés disso, abusa da vulgaridade, de maneira deliberada e sem qualquer concessões, levando para além dos limites da estética, e ainda assim construindo um dos filmes mais bonitos do ano, e com uma montagem absolutamente perfeita. Aplicando o oposto do que qualquer produtor teria indicado, Fargeat pretende discutir sua composição em cima de um quadro cada vez mais insuportável, de reflexos constantes diante da sublinhação visual. É um desafio e tanto para uma jovem cineasta que faz parte de uma geração cada vez mais audaciosa de cineastas, que confirma nossas apostas positivas e dobra a aposta para a próxima jogada.

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