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O Dia que te Conheci traz a vivacidade de um encontro casual

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A verdade é que o cinema brasileiro contemporâneo tem poucos autores como André Novais Oliveira. Não apenas pelo que é, mas também pelo que seu cinema representa e pela maneira como sua obra evolui, de ‘Fantasmas’ (seu primeiro curta-metragem) pra cá, exatamente apontando a estreia de ‘O Dia que te Conheci’, seu novíssimo longa. Ao lado dos companheiro da Filmes de Plástico, a produtora mineira que realiza filmes indescritíveis do ponto de vista do campo buscado, Oliveira seduz ao mostrar um Brasil onde a profundidade está ao nosso alcance. Em mais de um sentido, sua obra busca mergulhar em uma aparente simplicidade para comunicar dores e delícias lidas como frugais, e também mostra com clareza que a alma do país não está conectada aos rincões, apenas. Ele dilui esse conceito até meio batido de ‘Brasil profundo’, um termo tradicionalmente utilizado para apontar um interior léguas longe das imensas metrópoles, mostrando a realidade intangível das grandes periferias, um lugar assolado de outras camadas que não se veem nos noticiários na complexidade que é capaz.

Dito isso, é quase assustador que Oliveira esteja tão pleno de possibilidades ao lançar… uma comédia romântica. Talvez a partir daqui, o que nunca foi atribuído ao gênero (por puro preconceito) consiga reverberar por outras significações. Assim como qualquer produção, o gênero onde a narrativa está inserida não a define qualitativamente. ‘O Dia que te Conheci’, que provavelmente terá defensores que farão uma espécie de desqualificação de suas origens cinematográficas, orgulha com sua destreza de arquitetura, um espaço que construiu não apenas sucessos, como autores que o iluminaram, tais como Howard Hawks, Billy Wilder, Nancy Meyers, Mike Nichols, Richard Curtis e tantos outros. Assimilados tais nomes, que trouxeram base a estrutura, e absorvendo o que já conhecemos do diretor de ‘Temporada’, a argamassa aqui é de outra envergadura, mesmo em sua espinha dorsal.

Oliveira cresceu amparado por essa obra, mas a toma pra si quando rascunha sua própria versão, assim como deve ser. Dessa forma, Penny Marshall passa de inspiração para totem estratégico, a quem observamos para capturar outras essências. E o cheiro aqui é o da pressão urbana do nosso tempo, do desamparo emocional que se transforma em gatilho psicológico, daqueles que só uma (ou duas, três… incontáveis…) cartela de cápsulas consegue dar conta. Não apenas o mundo de ‘O Dia que te Conheci’ não apenas é povoado de uma realidade muito palpável, como carrega códigos que o audiovisual geralmente atribui a classe média/alta, para mostrar um acesso ao descontrole emocional que indivíduos periféricos também são dignos de sentir. O autor reivindica ao assalariado o direito de sofrer não apenas pelo ônibus lotado que demora a vir, mas essencialmente pelo dano emocional diário que é causado pelo capitalismo, o Mestre de todos os Problemas.

Observamos, ao criar uma aparência de leveza a um cotidiano que é costumeiramente tratado de uma maneira séria (ou dura, ou densa), que Oliveira não despolitiza sua obra, pelo contrário. Talvez ‘O Dia que te Conheci’, por trás da cortina descontraída que o circunda, seja o mais político filme de uma obra que por si só é carregada de significado e representatividade. Aqui, seu autor – que está sendo merecidamente celebrado há um ano, incluindo uma homenagem na última Mostra Tiradentes onde não houve quem não terminasse em lágrimas – começa uma ascensão que não o isola de seu lugar singelo, mas também ambiciona a força que Leon Hirzsman legou a obra que construiu. O tal do ‘cinema de afeto’, quem diria, é capaz de dialogar sobre crise econômica e social, sobre a solidão das grandes cidades, sobre a perda da conexão individual que a tal da modernidade nos lega todos os dias, sobre a pressão que o entorno social provoca nos ratinhos de laboratório (ou seja, nós) que só querem não sair dos trilhos diários. Não é pouco e nem é comedido o que está sendo dito nas sofisticadas entrelinhas. 

Se existe algo que não se restringe aqui é o alcance que Oliveira é capaz de proporcionar com seu olhar, indo além de uma textura que a Filmes de Plástico tem se mostrado incomodada de representar. Nenhum de seus autores é refém de um sossego provocado pelo carinho que sua origem periférica poderia provocar no espectador, e ‘O Dia que te Conheci’ também é uma conscientização a respeito do lugar que se ocupa – para quebrar qualquer expectativa e apresentar a doce revolução de que é capaz. Percorrer os corpos que percorre, nos lugares que filma, a respeito dos propósitos que apresenta, é muito mais pulsante do que qualquer radiografia afetuosa seria capaz de provocar. Que seu autor adentre enfim o território da delicadeza com base no gênero que o constitui, para ressignificar seu cenário através de discussões a respeito de hipocondria e desemprego, é da ordem de uma ousadia que dificilmente veremos outra vez replicada. 

Contudo, esse é um barco capitaneado por três comandantes. Ainda que o pilar esteja nos alicerces montados por Oliveira, seu irmão Renato Novaes e simplesmente Grace Passô povoam cada espaço emocional da obra. Renato é um ator que André, seu irmão, trouxe à baila, e que a cada novo trabalho apresenta crescimentos expressivos. Sua química com Grace, já testada em ‘Temporada’, aqui é amplificada, através de um novo casal que em nada se relaciona com as motivações desse. Zeca e Luísa se encontram de maneira despretensiosa, em contexto inexistente, e apenas observam o fluxo das coisas impelirem a continuação de algo que ninguém sabe o que é. Nem mesmo o espectador, que terá como resposta de ‘O Dia que te Conheci’ o frescor de um primeiro frame, a vivacidade de um encontro casual, mas o desejo verdadeiro de ter de novo aquele papo, mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez… quem sabe onde se pode chegar? 

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