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Infestação tem clara influência sobre a pandemia do covid-19

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Como já dito, por mim e tantos outros jornalistas e críticos, 2024 vem sendo um ano singular para o cinema de gênero, fantástico, de horror, e suas variantes. Com tantos filmes excelentes chegando ao circuito quase mensalmente, demorou para o circuito nacional desembocar entre nós um exemplar de igual qualidade que não fosse falado em inglês. Infestação difere dos seus pares estadunidenses por outra característica, que não deveria ser importante, mas precisa ser ressaltada: indicado aos César (o Oscar francês) de melhor filme e melhores efeitos especiais, o filme alcançou um lugar que as Academias de Cinema de qualquer parte do mundo raramente outorgam a um filme como ele. Quando os acadêmicos debruçam-se sobre uma obra de gênero, algo foi percebido ali. 

Então é bom esclarecer logo que sim, o que Sèbastien Vanicek constrói é, na falta de uma expressão melhor, especial – e não através de um óbvio e pretenso campo de originalidade. Ainda que todo seu entrecho inicial soe excessivamente como um lugar comum, aos poucos percebemos que a intenção de seu autor não é revolucionar com uma abordagem inédita, mas extrair de lugares, digamos, de fácil acesso, um discurso que amplifique suas potencialidades. Ao tatear por esse lugar mais bem costurado, percebemos o que está sendo montado aqui. Se existe um terror e ele é desenvolvido com esmero, é porque os dilemas de cada personagem em cena estão apresentados e tratados com acuidade, para mostrar as verdades de cada um, e também de seu universo, através dos desejos de seu roteiro. 

Chamar a atenção da crítica e da academia aqui, olhando para a obra toda, foi fácil. Infestação tem clara influência sobre a pandemia do covid-19 recentíssima, e a forma como tal afetou não apenas todos pelo mundo, mas principalmente os menos favorecidos. Quando o grupo de personagens centrais, todos habitantes de um mesmo conjunto habitacional, que obviamente foi construído como um exemplo de arquitetura e hoje abriga excluídos étnicos na França atual, se vê forçado a uma quarentena nesse lugar pelas autoridades locais, entendemos o recado. Que o motivo para tal aqui seja uma invasão crescente de aranhas mutantes (pois bem, nada agigantadas ou disformes, e sim muito críveis), é apenas a metáfora conseguida para representar o momento. 

Os melhores filmes de gênero são aqueles que conseguem se deslocar da sua situação-limite um comentário social condizente com o nosso tempo, e ir além do que está mostrando, criando um painel de comunicação com o espectador. O plot de Infestação consegue isso de diversas formas, porque além do gatilho de contemporaneidade que adquire com a crise pandêmica, ainda trata de um viés mais caro à França ainda, que é o eterno conflito xenofóbico que suas muitas línguas, povos, culturas e países transformaram socialmente sua periferia. A olhos discriminatórios, a beleza que essa diversidade abriga não é traduzida, e o filme consegue, sem qualquer apontamento ou sublinhado, mostrar mais uma vez como é sanguinária as formas de preconceito. E sem qualquer explicação. 

Vanicek é hábil não apenas nessa apropriação temática, como principalmente por conseguir ampliar nosso olhar para o horror tátil do filme. Em uma determinada cena, com a situação já devastada geral, a montagem captura o tanto de pessoas que já sucumbiram ao desastre animal: a cena não é apenas apavorante, mas extremamente triste, desaladora a respeito da solidão, e muito possível enquanto alerta contemporâneo. Esse é um aspecto que o filme consegue acessar bem, inclusive, sobre como nossa relação com tais personagens se estabelece, a ponto da maioria daquelas perdas ser extremamente sentida. Sem spoiler, porém em determinado momento, quando um personagem sucumbe aos ataques, e seus gritos ecoam pelo prédio, a sensação de horror e dor que isso causa na produção é tão latente, que sentimos o rasgo de cada um em cena, no auge do desespero emocional e físico. 

Infestação também é uma contribuição no ‘new french extremity’ à onda qualitativa das produções de gênero da temporada. Surgido há mais ou menos 25 anos enquanto termo propriamente dito, a expressão chega para delimitar o que a cinematografia francesa estava encampando no terror naquele momento. Com doses bem fartas de realismo gráfico, sem poupar o espectador de momentos de aflição explícita através de banhos de sangue e do mais extremo que o horror pode chegar (daí vem a expressão), os filmes da categoria são especiais para o espectador pela maneira intensa com que sua entrega é representada no plano. Infestação é isso também, mas se preocupando muito com o apuro estético de cada moldura responsável por contar a história, nos permitindo acessar suas viradas emocionais com a força da gravidade dos acontecimentos. Faz todo sentido a aclamação pela obra. 

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