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O Voo do Anjo investiga as relações humanas

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O ponto de partida, na teoria, de O Voo do Anjo, é bem animador. Um entregador de aplicativo deixa o jantar na casa de um octogenário no dia do seu aniversário. Enquanto o senhor vira as costas, ele desaparece. O homem encontra o entregador na bancada da janela, prestes a pular. Depois de convencê-lo a não realizar tal tragédia, esses dois homens criam um laço de amizade cada vez mais forte, revelando suas realidades e fortalecendo um vínculo de cooperação e afeto. Enquanto premissa, o filme tem um gancho forte para a investigação de relações humanas a partir de um luto devastador, maior que a capacidade humana de superar. Quando tal situação é desvendada, percebemos que não há ganhos quando a capacidade é limitada. 

Alberto Araújo é um mineiro radicado em Goiânia desde 1990, cuja estreia em longa-metragem aconteceu há 10 anos, com Vazio Coração, também estrelado por Othon Bastos. Cito a cidade onde Araújo escolheu para viver, onde fundou uma produtora e realiza seus empreendimentos, porque é claramente importante para O Voo do Anjo essa conexão com Goiás, de uma maneira bem ampla. O filme cita Pedro Ludovico, o arquiteto da cidade, e visita uma vinícola no interior, em momentos que demonstram resultados dúbios; ainda que sejam disparados por alguma normalidade, o que vemos soa deslocado na montagem e na própria constituição do filme. Não demora para que fique claro uma desconexão do filme com o que poderia ter de comum e natural em uma produção, tenha ela pretensões naturalistas ou não. 

Na verdade, grande parte do que vemos em O Voo do Anjo, esteticamente falando, é dominado por uma artificialidade crescente, que contrasta com o que sua dupla de protagonistas pretende, acertadamente. Apesar de sua temática ter alguma novidade, os encaixes narrativos parecem mostrar uma produção de auto-ajuda com nenhuma ambição que não atingir preceitos doutrinários. Quando consegue escapar dessa impressão, o filme resvala em uma outra aparência pouco positiva para um longa-metragem, que é a aparência institucional. Sobre tais momentos, ecoam uma ideia de propaganda o tempo todo, não importando se a venda é do status de uma cidade ou de um conceito de bem-estar emocional. 

Embora não possa ser atribuído inteiramente a ele, o trabalho de montagem de Thiago Thesari merece um comentário especial por permitir que a produção simplesmente não tenha ritmo ou cadência. Além disso, o filme dispõe de cenas de ligação desnecessárias, que a fazem se aproximar de uma telenovela, como a inexplicável preparação de uma picanha, ou de um diálogo igualmente inacreditável dentro de um ônibus. São muitos os momentos onde O Voo do Anjo não apresenta sentido no que está contando, com acréscimo de núcleos e elementos que não cessam, e que poderiam sugerir uma duração maior, ou que seu desenvolvimento precisasse de maior tempo para abarcar tantas camadas, apresentadas de maneira vazia. 

Ainda bem para o filme, Araújo tem não apenas um, mas dois trunfos na manga. Caso não tivesse conseguido para O Voo do Anjo dois atores tão intensos quanto Bastos e Emílio Orciollo Netto, nada do que vimos surtiria algum efeito. A história que une o professor Vitor e o deprimido Arthur é a base do roteiro, e contar com dois atores tão interessantes e humanos é a porta de entrada para o mérito essencial de um filme cujos predicados quase inexistem. Bastos e Netto atribuem credibilidade ao texto pouco inspirado do filme, quase injetando uma vida que não se reconhece na tela em qualquer outro aspecto. Mesmo assim, tratam-se de atores que não provocam milagres, e a festa de aniversário de Arthur é um desses momentos onde suas inúmeras deficiências saltam aos olhos. 

Uma pena que um ponto de partida tão interessante, e dois atores comprometidos com sua arte, estejam desperdiçados em um campo quase inóspito. Como deixar seguir uma produção séria que conta com esquetes cômicas demarcadas por trilha sonora quase de programa humorístico histérico? O Voo do Anjo, ao poucos, vai deixando claro que talento isolado não amealha qualidades coletivas para um projeto, e por baixo da imagem que ficará de seus protagonistas, é revelada uma realização muito aquém de sua dedicação. 

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