- Publicidade -

Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa faz recorte da HQ de Mauricio de Sousa

Publicado em:

Da mesma árvore genealógica onde Amácio Mazzaropi (1912-1981) emplacou fenômenos a granel (em especial “Jeca Tatu” e “Casinha Pequenina”), ao levar às telas a vida do povo campo, brota agora o que promete ser um fenômeno comercial na área mais carente de nosso cinema (a formação das plateias mirins): Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa. A adaptação das HQs de Mauricio de Sousa conversa na chave da doçura (e numa encapetada esperteza típica de criança) com uma tradição de filmes sobre o Brasil rural. Tradição essa que dribla caricaturas. 

Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa faz recorte da HQ de Mauricio de Sousa

Aliás, inclua nesse bonde de Na Estrada da Vida (1980) a 2 Filhos de Francisco (2005), para citar só alguns marcos, de grifes autorais. Esse recorte da população brasileira, voltado para uma massa interiorana, costuma dar bons frutos na teledramaturgia (vide “Êta Mundo Bom!”), onde é um objeto recorrente de novelas, sobretudo as das seis. No cinema, sua frequência é menor, mas costuma sempre render êxitos na venda de ingressos ou prêmios (caso de “Mutum”, que levou o troféu Redentor de Melhor Filme no Festival do Rio de 2007). O que é raro é ver um registro infantojuvenil nesse setor ruralista. Mais raro ainda é um registro de tanta delicadeza na depuração plástica, sobretudo no jogo com as cores, quanto se vê na “Goiabeira Maraviosa”. 

Houve um tempo, ali entre a década de 1970 e o ano de 1990, quando a maior diversão de nossa indústria cinematográfica era uma linhagem de longas para a gurizada. O filão kids foi contemporâneo da época áurea da pornochanchada (iniciada em 1969, com “Os Paqueras”, e combalida ali por 1986) e durou até o alvorecer do Brasil noventista, graças aos esforços de Os Trapalhões e de Xuxa. A Rainha dos Baixinhos voltou a resplandecer nessa seara de “Requebra” (1999) até “O Mistério de Feirinha” (2009). Aliás, foi nessa mesma época, Renato Aragão (nosso maior recordista de bilheteria, que chega aos 90 anos na próxima segunda-feira) emplacou uma série de acertos em aventuras solo de seu Carlitos, Didi, começando por “O Noviço Rebelde” (1997). Depois que eles se afastaram do cinema, ralentado a continuidade de sua presença em circuito, criou-se um hiato na oferta para plateias de dente de leite, preenchida bem sazonalmente por animações locais (caso dos recentes Chef Jack e Arca de Noé) ou por franquias da Turma da Mônica, sobretudo os longas “Laços” (2019) e “Lições” (2021). É desse universo, inaugurado pelo quadrinista Mauricio de Sousa em 1959, que brota um bem-vindo reforço para mães, pais, vôs e vós que almejam alfabetizar sua prole de brasilidade cinéfila. A carismática figura de Isaac Amendoim, agroinfluencer mineiro escolhido para viver o Chico Bento, é um chamariz e tanto para as novíssimas gerações.  

Egresso de Cana Verde, nas Gerais, o youtuber encontra o timbre certo de ingenuidade e de malandragem pícara (um valor em alta nestes tempos de O Auto da Compadecida 2) sob a direção de Fernando Fraiha, realizador de Bem-vinda, Violeta! (2022). Sem deixar de lado o alinhamento com toda uma tradição de protagonistas campesinos, o cineasta demonstra acurada dedicação à paleta cromática do Chico Bento dos quadrinhos. Quem aprendeu português lendo os balões escritos por Mauricio e seu estafe de artistas vai encontrar fina sintonia entre o filme e as peraltices gráficas de um menininho apaixonado pela natureza.

A escolha de Gustavo Hadba como diretor de fotografia foi um trufo (e tanto) nessa trilha. Em fase de apogeu desde O Grande Circo Místico (2018), Hadba fotografou as peripécias de João Grilo e Chicó que já venderam 2 milhões de ingresso em circuito, além de outros filmes viçosos visualmente (como Eduardo e Mônica). Seu colorido é primaveril nos planos abertos (a se destacar a estonteante sequência final, regada ao cancioneiro Renato Teixeira) e consegue ser mais retinto em planos fechados e num segmento onírico (ou quase) da trama, a ser mantido em sigilo, para evitar spoilers.  

Nesse segmento, a película, produzida pela Biônica Filmes, conta com a luminosa atuação de Taís Araújo numa personagem misteriosa (se revelar quem é, estraga a surpresa!). Igualmente coruscante é a participação de Débora Falabella como Professora Marocas e a atuação (bem humorada) de Guga Coelho (um ótimo ator que deveria ser mais escalado) como Nhô Bento, o pai do menino Chico. O jeitão cândido dele é uma garantia de risos. 

Essa turma injeta riqueza sentimental numa trama que parte de uma premissa: que mundo é este que troca goiaba por estrada? Essa pergunta pavimenta sociologicamente o roteiro escrito por Elena Altheman, Raul Chequer e o próprio Fraiha usando um cimento vilanesco chamado Dotô Agripino. Com seu bigode grosso e seu falar manso, esse Eufrazino dos confins da Vila Abobrinha (cidade fictícia criada por Maurício) parece saído de um desenho dos Looney Tunes, trazendo uma promessa de gentrificação para o terreno do fazendeiro Nhô Lau (Luis Lobianco) e seus arredores. Empreendedor picareta, ele almeja dar cabo da fonte das suculentas goiabas de Bento em prol do progresso… ou de seu próprio enriquecimento. Qual raposa velha, essa figura põe o filme no bolso, à força da engenharia cômica de seu intérprete, Augusto Madeira, um astro em estado de graça que faz da saliva o motor de arranque da ironia. 

A maldade de Dotô Agripino é um reflexo (e um refluxo) de um mundo que desaprendeu a subir em árvores (por não ter mais tempo para isso) e não dá bola para ouvir o que a Natureza tem a dizer. Nesse contexto, o Chico Bento de Fraiha é um herói, um pequeno grande herói. Seu heroísmo – sintonizado com recentes e imperdíveis graphic novels sobre o personagem, como Verdade” e “Arvorada”, ambas de Orlandelli – é resistir… e nos ensinar aquilo que a filosofia moderna chama de “caminho do campo”, ou seja, a serenidade.  
Seu longa é um family film para não se esquecer, bom para quem é pequerrucho e bom para quem já está com a boca banguela sob a fricção da idade. É cinema afetuoso, plasticamente vívido, de script inteligente e trupe empenhada. Faz a gente ter orgulho de ter Maurício de Sousa como patrimônio cultural da nação. 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -