- Publicidade -

 Parque de Diversões coloca a produção sob a ótica do ato sexual

Publicado em:

O principal a ser dito por quem escreve sobre cinema é a análise crítica sobre tal obra, contextualizando seu conceito e elaborando um pensamento que tente conversar com as intenções de seu realizador, seja em qual for a ordem de seu debruçamento. Mas existe também algo que, pelo menos eu, curto manter em registro quando algumas obras encontram o público, e acho em particular que seja necessário que tal ponto seja levantado: esse é um filme do qual dificilmente você encontrará outro par estreando nos cinemas. Trata-se de Parque de Diversões, uma obra única sob qualquer aspecto que esteja em discussão. Se o sexo e o erotismo podem afastar inicialmente os espectadores mais conservadores das sessões, é bom colocar a produção sob a ótica de não estar falando exclusivamente sobre uma pauta. 

Pelo contrário, existem diversas leituras acerca do que se vê através das lentes de Ricardo Alves Jr., e a ideia aqui é tentar adentrar algumas delas. A primeira (e mais óbvia) teria a ver com liberdade, de escolhas e possibilidades, de poder lidar com o próprio corpo da maneira que bem quis, de aceitar sua posição de ser humano que deseja e busca a resolução dos seus, tenham eles algumas particularidades – aqui, também conhecida como fetiches – ou não. Parque de Diversões não é um tratado sociológico a respeito do desejo, mas também não deixa que sejam desperdiçadas as chances de refletir sobre práticas ancestrais acerca da população ‘queer’. O direito a ter suas escolhas acatadas diante de uma política de aceitação dos mesmos é essencial para que tenhamos seres saudáveis psicologicamente. 

Outro ponto que precisa ser levantado é sobre uma possível ordem autoral-narrativa de Parque de Diversões. O que acompanhamos, de maneira algo didática (e, nesse caso, o didatismo é necessário), é um roteiro/direção interessado em emoldurar um ato sexual em seu começo, meio e fim. Faz isso de modo a compreender os tantos atos que o filme mostra em espécie de escalada gradativa, desde momentos onde tenhamos acesso apenas ao flerte inicial, passando pelo beijo em gradual intenção de temperatura, até chegar a masturbação mútua. Depois teremos o sexo oral, para terminar então em momentos de simulação e posterior efetivação de penetração. Isso é desenhado no ritmo de uma montagem exemplar de Henrique Zanoni, que eleva o trabalho do elenco ao montar junto ao roteiro um campo que parece vazio, mas que revela esse quadro complexo que envolve casais diversos em suas tentativas particulares, até fazer crescer o produto como um todo, em seu acerto.

Mais uma discussão afirmativa que o leque do filme amplia é a que conta com o imperativo do desejo sexual do homossexual precisar ser validado em campos moralmente aceitos, quando homens cis heteros podem frequentar ambientes de prostituição sem qualquer julgamento. Obviamente, Parque de Diversões remonta ideias que Alain Guiraudie em Um Estranho no Lago já apresentara, a respeito de uma representação de perigo enquanto tais atos são perpetrados por seus personagens. Como já dito no texto, são corpos que tradicionalmente sofrem algum tipo de vilipêndio social, quando não inúmeros, e que tentam usufruir de algum senso de liberdade dentro de uma faixa que os tentam coibir.

Isso tudo é conseguido graças ao esforço radical de uma equipe que não apenas acreditava no resultado, como dedicou seus melhores esforços na construção desse universo fictício dentro de um lugar absolutamente crível. A fotografia de Ciro Thielmann (que vai encerrar a Mostra Tiradentes com Suçuarana) é um trabalho para esperar entre quaisquer discussões a respeito de premiações sérias e inclusivas diante do cenário independente nacional. Parque de Diversões organiza imagens e planos através de cores decididas para cada cena, transformando mais de uma vez toda e qualquer ambientação em um espaço espetacular repleto de sons e texturas. 

Aliás, Parque de Diversões nasceu a partir de uma cena de Tudo que Você Podia Ser, filme anterior de todos os envolvidos, incluindo aí direção e roteiro (de Germano Melo). Ao concluir que não caberia naquele filme a cena filmada dentro de um contexto de ‘pegação’ no Parque Central de Belo Horizonte, eles também perceberam que nascia ali um novo filme, apartado de sua origem, completamente independente. No que tange a experiência de assistir, a quem e porque tal negociação é tão não-usual, tornando-se especial de alguma forma dentro de um quadro de impossibilidades. De forma explícita, seus personagens reivindicam a sua porção de volúpia para também se revelar motivadores para uma dança, o máximo em constituição de performance coletiva que também se estabelece como mais uma chave de leitura de um filme que não cansa em tê-las. 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -