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Blindado é um thriller claustrofóbico com o eterno Rambo de vilão

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Estandarte da estética da pancadaria desde que assumiu o papel de John Rambo, em 1982, Sylvester Stallone ganhou notoriedade (e indicações ao Oscar) pelas veredas do drama social quando subiu ao ringue sob a alcunha de Rocky Balboa, o Garanhão Italiano, em 1976. Numa rota diversa do que busca agora em Blindado um teste para a sua habilidade de traduzir a vilania, que estreia neste fim de semana, cercado de controvérsia -, Sly (como é apelidado nos EUA) debutou para a fama pelo marxismo.

Rocky era a Cinderela da luta de classes, que calçava luxas de boxe em vez de sapatinhos de cristal. Sua aparição se deu em tempos de Nova Hollywood, o movimento que modernizou a forma de se filmar nos Estados Unidos (à esquerda). As demandas do zeitgeitst (o espírito do tempo) agora são outras.
Sempre foi da natureza de Stallone reagir ao que a História pedia a ele. Sintonizado com as transformações comportamentais do audiovisual na década de 1980, encontrou um veio rentável nas narrativas de justiçamento, protagonizando um sintagma dessa linhagem de tapas na cara: Stallone Cobra, de 1986. Soube se reinventar muitas vezes, de Risco Total (1993) a Os Mercenários (2010), sem ignorar a demanda popular por enredos em que a palavra não dá conta do ódio – nem a palavra da Lei.

Quase octogenário, acossado por patrulhas morais que o levaram a um flerte explícito com o trumpismo, ele optou por abraçar uma faixa de produção mignon, a léguas de distância dos orçamentos milionários sob os quais já filmou no passado, a fim de assegurar ofertas para a demanda dos streamings e de faixas televisivas tipo o “Domingo Maior” da Globo, onde é rei. “Blindado” foi feito sob essa demanda. Ele paga as contas de Sly enquanto este se recicla, uma vez mais, no terreno das séries, com “Tulsa King”, da Paramount +.

O chamariz de Blindado é a chance de ver Stallone num (aparente) flerte com o Mal, num papel dúbio, que nos surpreende a cada virada do roteiro, apesar das ralas frases que foram escritas para o astro. O protagonista, na prática, não é ele, e, sim, Jason Patric, numa atuação madura (como lhe é peculiar).
A direção de Justin Routt (contestada nos bastidores, por seus assistentes, sob a alegação de que as decisões finais não foram do cineasta, mas, sim, dos produtores) se aterra em códigos clássicos do thriller perfumado a pólvora. Não há, num segundo de sua estrutura dramatúrgica, um clique de inovação ou um empenho de conversa com as novas convenções desse tipo de produto, em voga sobretudo a partir do fenômeno “John Wick” (2014-2023).

É como se Routt optasse por um percurso já fatigado, formalmente conservador, mas, ainda assim, funcional, sobretudo quando Stallone está em cena. O realizador parece não dar bola para uma revolução num campo minado pelo pop. Sob a afiada guilhotina do politicamente correto, o cinema de ação reciclou-se pelo advento de uma estética cinemática, pautada no mais puro movimento, como se fosse um desenho do Papa-Léguas, com “John Wick” e “Trem-Bala” (2022), coroando o esforço de antigos dublês (Chad Stahelski, por exemplo) em migração para outro posto: o da direção.

Existe ainda um outro veio, menos exuberante na forma, mas enriquecido por um flerte com o melodrama, no qual o hoje septuagenário Liam Neeson é o astro maior. Liam dá tapa na cara da ruindade enquanto externaliza os contratempos da madureza, da finitude do corpo. É o que se vê em êxitos mercadológicos como a trilogia “Busca Implacável” (2008-2014) e exercícios mais existencialistas como “Último Alvo” (2024).

Há uma terceira via, menos sutil que as outras duas, graficamente ousada na representação da violência, representada por sucessos como “Beekeeper – Rede de Vingança” (2024). Nela, o heroísmo lapidado no início da década de 1980, com “Jogo Bruto” e “Comando Para Matar”, na ótica do Exército De Um Homem Só, ganha um novo verniz, pop e coagulado. É o “filme de ação gore”. O gore é um conceito inerente ao terror, tipo a franquia “Terrifier” (do palhaço Art), no qual sangue e tripas se espalham pela narrativa, das formas mais inusitadas e grotescas, beirando a pornografia de brutalidade. Nessa revitalização, a figura de Jason Statham (parceiro de Stallone em “The Expendables”) é um elemento essencial.

O que Routt assina em “Blindado” está mais perto do folhetim, assemelhando-se aos longas recentes de Neeson. Um Jason Patric plúmbeo, tão atormentado quanto seus personagens nos cults “Narc” (2002) e “Rush – Uma Viagem Ao Inferno” (1991), alarga os vínculos da nova fita de Stallone com a genealogia melodramática de Hollywood. A dimensão afetiva passa por um estudo da paternidade.

Cory Todd Hughes e Adrian Speckert escreveram “Blindado” pautados pela luta do ex-policial James Brody (Patric) contra o álcool. Ele afogou-se na Caninha da Roça para lidar com o trauma da morte de sua mulher, num desastre rodoviário, mas preservou seu convívio carinhoso com seu filho, Casey (Josh Wiggins). Incapaz de portar um distintivo, em decorrência da trágica em seu pretérito imperfeito, James virou segurança e opera numa companhia de transporte de valores. Casey seguiu seus passos. Num dia em que precisam conduzir uma bolada juntos, os Brody são interceptados por uma quadrilha de ladrões chefiada por Rook (Stallone).
Embora afine (como pode) as descargas de adrenalina das tomadas de tiroteio, a montagem de Marc Fusco não consegue desembolar os nós da dramaturgia de Gughes e Speckert, na cruza de tramas paralelas. Sabe-se que a fortuna em condução pelos Brody pertence a um chefão, mas não se explora com exatidão esse afluente narrativo. O que ganha mais realce na tela é o esforço de James para proteger Casey depois que o carro-forte deles é atacado e derrubado.

Ao tombar, o espaço daquele veículo se torna a arena do longa de Routt, numa vertente claustrofóbica, que evoca de “Assalto a 13ª DP” (1976), de John Carpenter, a “Líbano” (Leão de Ouro de 2009), de Samuel Maoz. São alusões que ampliam a relevância estética de “Blindado”, à força de uma edição sábia. É pena que a direção de fotografia de Cale Finot se burocratize tanto, diluindo qualquer chance de sinestesia num espaço de suor e fumaça.

Sempre (bem) dublado por Luiz Feier Motta, Stallone já havia se arriscado a ser vilão outrora, como o Toymaker de “Pequenos Espiões 3: Game Over” (2003), mas era um desempenho nas raias da farofa, sem seriedade. Rook exige mais dele. O criminoso se impõe como uma figura mais complexa no repertório de bichos soltos do eterno Balboa, com atitudes que levam a plateia a questionar seu caráter e a refletir sobre os impasses morais do capitalismo.

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