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As Cores e Amores de Lore: Jorge Bodanzky mergulha na vida e obra da pintora alemã Eleonore Koch

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Jorge Bodanzky já tinha realizado alguns curta-metragens quando lançou o que deve ser o maior filme da sua carreira – e um dos maiores clássicos da História do Cinema Brasileiro: Iracema, Uma Transa Amazônica. Mas, dito isso e apresentado ao leitor autor e obra, é injusto encarcerar um cineasta como ele a sua magnum opus, quando ele trabalha ininterruptamente desde seu lançamento. Essa semana estreia nos cinemas As Cores e Amores de Lore, seu novo filme onde ele volta a realizar o mesmo que o notabiliza há 50 anos: encontrar vozes dissidentes de seu tempo e de todos os tempos, para recortar uma linha de Brasil que não é mapeada em todas as suas curvas, as mais e as menos explícitas. 

Especialista em tornar visíveis vozes que não estão no centro dos debates, em documentar olhares que ainda não foram assimilados e reverberar ações de personagens menos óbvios, Bodanzky encontra na artista plástica Eleonore Koch uma ponte para o Brasil de hoje, e um resgate de suas próprias raízes. As Cores e Amores de Lore, com um cineasta menos hábil, teria se conformado com o fascínio em encontrar a artista excepcionalmente apagada pela História, mas o cineasta faz muito mais – por ela e por seu filme. Ao reencontrar a obra de Koch e devolver a ela o brilho que não conseguiu ter em vida, Bodanzky não se furtou a ir além do holofote para resgatar igualmente os fachos de feminismo que uma artista como ela propagou. 

Lore foi contemporânea e próxima a família do cineasta, e devolve a Bodanzky a imagem de uma mãe que ele não conhecia. A mulher sorridente de suas memórias dá lugar a uma figura melancólica e triste na voz de sua interlocutora, o que acaba movendo a narrativa do filme. A coragem do diretor está em perceber que uma mola girava na sua direção, e ele sutilmente reconduzir o espetáculo ao que ele deveria mostrar – sua protagonista. Ao fazer esse movimento, percebemos a grandeza do homem e a qualidade do realizador, que em nenhum momento tenta fazer de As Cores e Amores de Lore um palco particular, mantendo a integridade de duas vozes distintas, a da personagem-título na condução e a sua na realização. 

Além de redirecionar nosso olhar para uma artista que foi apagada pelo machismo estrutural, que impedia a cena da época encontrar qualidades na sua voz que a descolassem de seus mentores, As Cores e Amores de Lore nos apresenta uma mulher além da obra. Em um período onde o feminismo nem existia enquanto movimento ou mesmo registro, Koch ousou ser quem quis ser. Imigrante alemã assim como a família de Bodanzky, desembarcou no Brasil junto ao seu DNA o progressismo europeu que forjava os movimentos das mulheres, colocando em seu peito uma tarja que a desqualificava para tantos, e tornava exemplar para outros. Sem cercear seus desejos emocionais, românticos e mesmo sexuais, Koch abriu as portas para que o artista pudesse exercer outros tipos de liberdade no país, e com isso garantir, quase 100 anos depois, que essa mesma liberdade estivesse ao alcance de todos, mas principalmente de todas. 

Com um olhar ágil que é próprio da sua direção, Bodanzky não está interessado em ouvir sua protagonista, apenas. Ele passeia com sua câmera por todos os espaços possíveis, nos tornando íntimos também de sua retratada, e dividindo com ele a admiração que fica claro nas imagens. Com isso, a voz de um artista amplifica a do outro, e saímos de As Cores e Amores de Lore reafirmando o talento de um, e conhecendo finalmente a sensibilidade de outra. Sem repousar seu material, o diretor segue a fala de Koch com o mesmo entusiasmo que rememora as fotos e registros artísticos de uma personagem sem igual, como todo grande personagem o é. 

Em tempos onde o registro documental ganha um espaço protocolar dentro dos lançamentos semanais dos cinemas, é uma lufada de ar que alguém com a História de Jorge Bodanzky lance um filme novo. Além das intrínsecas qualidades do trabalho atual já explicitadas no texto, talvez sejam necessários fenômenos como o seu nome para que o circuito saia da letargia com o gênero. Um filme da categoria de As Cores e Amores de Lore merece ter público à procura e debates acalorados, porque transcende a ideia tradicional do gênero para alcançar uma sintonia rara entre autor e obra, movendo-se sem arrogância na direção da figura filmada. Não é pouco, e não é simples; só a humildade responde ao que é feito aqui. E isso é um valor que só é dado aos imensos. 

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