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Serra das Almas faz investigação jornalística sobre políticos corruptos

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É interessante pensar no adoecimento gradativo que acontece entre os personagens de Serra das Almas, que não está na ordem concreta das coisas, mas que se estabelece como consequência de um tempo, de uma carência, de um estado de espírito transformado pelo entorno. Precisamos ainda aprender a lidar com os filmes que chegam até nós, de agora até os próximos anos, porque são todos frutos de um tempo onde esse adoecimento era coletivo – existiu a pandemia, os resultados de sua mortalidade, e também uma doença ainda mais corrosiva, porque escondida, que é a ascensão política da extrema direita, com sua mentalidade destrutiva. Isso gerou e continuará gerando frutos extremos, com o afeto muito aberto ou com a violência em primeiro plano, como aqui. 

Serra das Almas

E mesmo em produções como Serra das Almas, talvez o olhar para o próximo, e a tentativa gradual de uma conexão como resposta ao horror, seja um caminho que os autores precisam trilhar para a comunicação direta. Existe, aqui na narrativa, um grupo de homens que é interconectado pela vida, uma relação que desbravou o tempo; as mulheres parecem estar em polo outro, se conhecendo e apresentando aos poucos. Estão em grupos literalmente separados, opressores e oprimidos; das relações mostradas no filme, nascem novas conexões, e também desconexões. A partir de determinado ponto, um dos lados está desconhecido uns dos outros, sem qualquer confiança interna, independente do bem querer prévio – isso não nos soa reconhecível? 

Ferreira conduz esses dilemas pessoais, e as vertentes que vão sendo alinhadas entre seus personagens, de maneira muito competente. Serra das Almas, como produto de seu tempo, onde cada passo parece significar o início do fim, olha para um lado dos fatos, aquele que parece ter sido o mais atingido durante a tragédia da pandemia e da polarização. O horror do isolamento compulsório, e a perda gradual de um sentimento que nos tornava mais humanos e próximos. Não parece ser algo casual que esse pensamento de maneira tão clara se apresente aqui; o cineasta celebrado por Baile Perfumado conversa com um cinema mais cru em todos os sentidos. Sem qualquer pegada de fantasia, mas pinçando desse universo uma explosão pop surpreendente, o filme encontra-se em uma bifurcação positiva. 

Em meio ao que é construído pela narrativa, a montagem de André Sampaio (de Noites Alienígenas Azougue Nazaré, pelo qual foi premiado) é um trabalho cuja identidade estrutura a própria realização. Serra das Almas é organizado fora da ordem cronológica tradicional, mas também sem que isso defina por completo o caráter da obra. É uma assinatura de personalidade, que cria uma linguagem particular ao que assistimos, mas que não é exatamente algo inédito. Através da mesma, alguns códigos já estabelecidos em outras obras relevantes do passado, como Cães de Aluguel, revelam o desejo de Ferreira em promover contato de um cinema de gênero mais fluido, que não se enraize em apenas uma colocação. 

Ferreira é um cineasta que está sempre em desafios pessoais, percorrendo lugares que ainda não tínhamos visto anteriormente, seguindo passos que, se não são novos, ao menos seguem inéditos em sua filmografia. Sua inquietação nos coloca de frente a uma obra como Serra das Almas, que carrega mais ambição do que consegue realizar. Nosso interesse por um cinema provocador instiga a continuar interessado pelo filme até o final, e o fato de que o próprio cinema brasileiro não costuma investir em material dessa envergadura, mas ainda assim o resultado fica aquém de suas intenções. Não falta talento aos envolvidos, e na verdade talvez até sobra, em cima de um título que mais propõe adrenalina em um espaço quase de apagar sua forma original, que originalmente inquire a porção política dentro do que vemos. 

O talento de Ferreira como diretor de atores volta a fazer sentido aqui, e seu corpo de elenco em Serra das Almas vai além do talento, propriamente dito. Ele conseguiu olhar para um grupo de profissionais que parecem estar no trampolim para seu grande momento, que será o próximo. Nomes como os de Julia Stockler (de A Vida Invisível), Mari Oliveira (de Medusa), Ravel Andrade (de Transe), Jorge Neto (de Casa Izabel), Vertin Moura (de Sertânia), David Santos (de Represa) e Pally Siqueira (de Big Jato) são, provavelmente, os nomes de um futuro que pode ser amanhã, literalmente. Não são “os astros jovens do momento”, mas tem tudo para serem os próximos da fila, e especialmente aqui Ravel, Jorge e Julia dão tudo de si. Isso é mais um ponto a favor de uma obra instigante, cujos problemas não nos impede de aplaudi-la. 

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