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“O Controle” é um debate sobre liberdade calçado na apoteose de Reynald Gonzaga

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Apesar de a máxima sartriana da inquietação existencial provocada pelo tribunal opinativo alheio ser “O Inferno são os outros”, na estrutura huis clos (ou seja, entre quatro paredes) criada pela peça “O Controle” esse conceito que une vigilância e punição ganha contornos diferentes e mais contemporâneos. Seria mais próximo dos novos tempos dizer: “O Inferno são os algoritmos”. Aliás, é por culpa deles, em parte, que o personagem central foi confinado, sem ter uma justificativa de sua detenção.

O Controle

O que ele disse, o que escreveu, o que comprou, o que postou, o que consumiu… tudo aquilo que viveu online foi registrado, e decantado, e analisado. Na sociedade do consumo, fazer compras – uma mariola que seja – é um ato político, pois é uma escolha. Na era da polarização, escolhas são carimbadas para, no porvir, tornarem-se culpa no cartório.

Alguma coisa que o protagonista fez tornou irrisória sua elevada pontuação no esquema de crédito social. Esse é o indício de determinação do sucesso na distopia (bem) escrita pelo jornalista Guilherme Fiuza num (potente) devir dramaturgo. Autor de “O Império do Oprimido” e “Meu Nome Não É Johnny” (imortalizado no blockbuster homônimo de Mauro Lima), Fiúza se lança na geografia do teatro com a mesma convulsão narrativa com que faz reportagem e faz literatura, esculpindo frases preciosas. Vai incomodar alguns, mas vai encantar muitos.

O achado de seu texto teatral em “O Controle” é que seu herói com caráter é apaixonado por uma figura feminina que se chama… Norma. Amar a “norma” faz de sua forma humana algo vilã num mundo com ares georgeorwellianos de “1984”. O “Grande Irmão” tá on, continuamente.

Sua realidade distópica tem regras próprias, que lembram o filmaço “THX 1138” (1971), de George Lucas, não na assepsia visual, mas no empenho de mostrar o empenho das autoridades em esterilizar dissonâncias e transformar incomodados em gado. Um gado a pastar na relva da obediência. A figura que Fiúza adota como seu Robert Duvall era feliz, apesar do desgaste no casamento. Vivia em fase de incompatibilidade de CPFs com a companheira, mas vislumbrou a alegria na Norma. Mais politicamente inflamável do que isso…
Logo, “O Controle” tem coragem. Sua audácia verbal se apoia numa cartilha de convenções dramatúrgicas próprias. Em sua realidade, quem alcança uma “faixa de pontuação cidadã” alta, no cumprimento de regras, vai morar numa área mais nobre. Isso se não falar o que sente.

Nas raias do suspense, a encenação de Ricardo Peixoto opta por uma linha claustrofóbica, com espaços sazonais para o riso. “O Controle” caminha sinuosamente pela tensão, comprimindo sentimentos, até oferecer a seu protagonista um momento Broadway, no qual ele, de paletó lantejoulado, faz um “All That Jazz” de seu próprio infortúnio. É um Bye, Bye, Love para a liberdade de expressão que lembra a inesquecível performance de Roy Scheider no cult musical que rendeu a Palma de Ouro a Bob Fosse.

Além disso, a peça discute a unificação das mentes com essa virada, sem descarrilhar, não apenas pelo cuidado da direção com a cena (e com o texto), mas por ter em cena um Scheider de falar tonitruante, em estado de graça: Reynaldo Gonzaga. A peça é uma apoteose dele, que marcou a história da TV com seu modo reflexivo de atuar, calçado num falar melífluo. Seu desempenho é uma catarse.

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