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A mulher no jardim: Um alerta acerca da saúde mental na sociedade de hoje

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Situações sintomáticas muitas vezes marcam a estreia de alguns filmes. Vejam o caso de A Mulher no Jardim, produção cuja estreia internacional aconteceu no fim de março, onde originalmente era a data brasileira também. Adiado para essa semana, o filme chega aos cinemas uma semana depois de Thunderbolts*, produção gigantesca da Marvel com a qual guarda profunda semelhança temática. Aqui, como lá, está na pauta um alerta acerca da saúde mental na sociedade de hoje, e implicações de doenças relacionadas a esse aspecto. Não é como se esse fosse um tema intocável, não; tais discussões estão em voga em muitas rodas de conversa e estudos clínicos sociais da contemporaneidade. Em ambos os filmes, tal olhar vem imbuído também de fantasia, aqui particularmente em uma emulação do horror bastante eficaz.

O filme é dirigido por Jaume Collet-Serra, um grande e incompreendido diretor, no qual a cinefilia pouco ortodoxa já descobriu, mas o grande público ainda trata como operário de fábrica. Das suas lentes, já saíram os seminais O PassageiroNoite sem Fim e Águas Rasas. Apenas quatro meses depois de lançar Bagagem de Risco, seu primeiro trabalho com Danielle Deadwyler, em A Mulher no Jardim ele a coloca como protagonista, e ela corresponde com o melhor possível. Não deixa de ser um veículo para o seu imenso talento ainda não reconhecido a história de uma mãe viúva de frente para o luto de maneira física. Está em si e também está materializado no seu quintal, para mostrar o assombro da estagnação emocional. Com apenas 5 atores no elenco, o trabalho do diretor eleva as características enxutas da obra.

Curtíssimo (apenas 80 minutos), A Mulher no Jardim é uma obra que, como a maior parte da filmografia de Collet-Serra, será apreciada por uma parcela do público, enquanto a outra tende a rechaçar. Já consigo ouvir os resmungos a respeito de uma narrativa óbvia, com reviravoltas esperadas e um tratamento já conhecido. O que ninguém tende a notar é como o trabalho do diretor em cima desse material ultrapassa o que outro profissional entregaria; Collet-Serra não apenas valoriza o roteiro de Sam Stefanak, como ele surpreende com sua condução. Isso porque é ele o responsável pela significação elevada da peça, em um dos seus momentos mais artesanais. 

Para a maior parte do público, o significado da obra antecede inclusive a sessão; não há mesmo muitas outras significância para a personagem-título. O que o leitor imagina a partir da leitura da sinopse e do encontro com sua imagem, é o que é; isso não diminui o trabalho porque o filme não está muito interessado em fixar-se nessa questão e seguir contemplado a maravilha da escrita. Não, e Collet-Serra entende que seu trabalho é o de um ourives; pegar a peça bruta, inerte, para então dar forma ao que estamos assistindo. Se o espectador se deixar levar pela força magnética que o diretor emprega na construção de cada plano, a recompensa será inegável. Ainda que poucos diretores conseguissem fazer o que é feito aqui, ainda assim A Mulher no Jardim encontra na colocação que abre o texto sua força, que se amplia a cada nova investigação. 

Nada aqui remete a uma produção genérica, feita a toque de caixa por qualquer diretor; na verdade, é o oposto disso que está em jogo. Existe uma fagulha em Collet-Serra que parece perseguir imagens de perturbação aqui. Elas estão no olhar de Deadwyler quando se olha no espelho, no sorriso cortado da menina após a mãe se afastar, no caleidoscópio que a montagem produz onde os rostos se fundem entre personagens que parecem estar em lugares díspares. A Mulher no Jardim deseja a doença mental para suas imagens, porque promovem uma dissociação da nossa impressão – o que é real do filme (a contradição, o real – o filme) e o que é fruto de mensagens cifradas por esse manancial de proposições?

O trabalho do fotógrafo Pawel Pogorzelski (de AnônimoFresh e colaborador de Ari Aster em seus filmes) é o companheiro ideal para alguém que está na disposição de transformar o horror das imagens nos pesadelos mais incômodos. Caminham ambos na mesma sintonia de coreografar os planos incessantemente até que eles se tornem parte integrante de um mundo doentio. Na verdade é uma equipe unida na intenção de montar o quadro mais sinuoso possível, destravando certezas dos personagens para adentrar nesse ritual de horror contínuo. Em A Mulher no Jardim, nossas certezas são constantemente abaladas pelo interesse de sua realização em provocar distúrbios continuamente, até que só restem certezas dispensáveis. Por essas e outras que o roteiro não se mostra tão agudo quanto as imagens, e aqui é um daqueles casos onde o cinema se mostra em potência máxima. Arte das imagens, não é isso? Pois bem, ei-lo aqui. 

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