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Ritas faz um mergulho visceral sobre Rita Lee

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Talvez não tenha acontecido na música brasileira algo mais próximo a influência, ao talento e ao poder aglutinador da criação de David Bowie, que Rita Lee. Em 75 anos de pura genialidade, Rita ultrapassou cinquenta anos de História construindo relevância musical e pessoal, com uma personalidade que poucos artistas brasileiros tiveram. Tudo o que fez reverberou, seja nos incontáveis sucessos radiofônicos, seja como pensadora moderna, seja abrindo as portas do país para um verbete inédito, que ela cunhou: a mulher roqueira. Ritas estreia essa semana sem querer mapear todas as muitas mulheres identificadas pelo plural do títulos, seria virtualmente impossível. Ao invés disso, Oswaldo Santana nos guia por um mergulho visceral em tudo que ousou modificar, com o sucesso que a acompanhou ininterruptamente. 

Santana e sua co-diretora, Karen Harley, invadem a presença de Rita através da própria: em sua casa, em sua mente, em seus arquivos, em sua voz. No olhar raro para uma produção documental brasileira, os autores por trás do projeto tiveram a sensível escolha de cooptar tudo que se passava por sua cabeça e seu corpo para povoar as imagens e os cortes. Não apenas vemos Rita Lee, a artista à frente de seu tempo (ou de todos os tempos) em imagens de arquivo e contemporâneas, coletadas ao longo de 10 anos; Ritas também é um recorte inspirado na energia de sua personagem, e isso perpassa todos os aspectos da obra. Na montagem do próprio Santana, a essência da protagonista está intacta e é celebrada pela própria.

O filme não se furta (e nem teria como fazê-lo) em comentar o período onde Rita esteve envolvida com Os Mutantes, banda que a lançou ao sucesso; tal período durou 6 anos. A importância do grupo não foi minimizada, mas o trabalho desse momento é mais descrito que ouvido, provavelmente por questões envolvendo os direitos autorais das gravações originais. Isso não diminui a potência da obra, até porque a cantora e compositora tem seu auge justamente ao se desligar do grupo original. É a partir do lançamento dos primeiros álbuns solo que sua carreira passa a não apenas ter autoralidade, mas principalmente seu olhar independente cresce. A partir desse momento, das apresentações dos musicais no ‘Fantástico’ e de sua explosão pelas rádios, é que a verdadeira gênese de Rita vaza para a tela. 

Ritas é uma obra febril em sua tentativa de alcançar um registro quente de uma profissional. Ele se contamina de falas potentes da artista, que representam uma quebra de expectativa com o que se vê, porque não é escolhido apenas um olhar para contar essa história; Santana agarra todas, as principais e possíveis. A forma texturizada com que cada imagem aparece para o espectador, e a maneira como tais planos funcionam na comunicação do que é audível da sua obra, explode a cabeça de quem assiste. De uma maneira peculiar, é como se estivéssemos a par de uma visão de Rita Lee mais do que aprovada pela mesma, mas concebida por ela. De maestrina espiritual de um projeto que ela assistiu quase pronto, o filme se move com amor e fúria por tudo que tal personagem firmou. 

Não tinha mesmo como ser um documentário tradicional, tendo em vista o tanto de representatividade de ruptura que Rita legou em sua passagem. Ou seja, além de tudo, Ritas não é necessariamente um projeto original, mas uma homenagem fiel a uma figura exemplar da arte. Além disso, algo que infelizmente é comum em filmes assim, não é acometido aqui: as músicas tocam quase na íntegra. Dona de um dos mais ricos repertórios da música, Rita Lee merecia ter também sua obra de maneira frontal aqui. E temos grande parte dos clássicos também interferindo na construção da narrativa, onde os discursos e diálogos são costurados ou realçados pelas letras de cada uma daquela lista de canções que esperamos ouvir, e ouvimos. 

O toque final é dado pela Rita da vida real, aquela que as redes conheceram nos seus últimos anos. A mulher inteligentíssima que ela sempre foi, com o advento da tecnologia, ganhou um aspecto ainda mais sagaz. Filmando a si, seu cotidiano e declarando seu eterno amor a Roberto de Carvalho, Rita nunca deixou de ser uma criatura espontânea e ainda brilhante. O que se descortinou nas redes, e que Ritas rememora, é como ainda cabia uma última versão sua a ser descoberta pelo espectador. Sem abrir mão de conjurar tantas mulheres e apresentá-las em estados diferenciados, Santana e Harley ouviram sua protagonista com atenção e desvelo, para então montar a delicada homenagem que também representa sua alma ainda viva, pulsante e inquieta. Viva Rita!

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