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Os Mambembes faz História com um elenco em estado de graça

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Lançado nos festivais de Cannes e de Berlim (e premiado em ambos) há 50 anos, “A Viagem dos Comediantes” (“O Thiasos”, 1975), do cineasta ateniense Theodoros Angelopoulos (1935-2012), calcava-se na jornada de uma trupe teatral que cruzava a pátria natal da Tragédia, em tempos de fascismo, com a tarefa de levar dramaturgia ao povo como um convite à catarse das opressões. Não havia humor no filme, fora numa ou noutra abilolada decisão dos personagens às voltas com um texto que expurgasse (como metáfora) a mordaça de um governo castrador. Ouve-se, a dado ponto, uma vítima de tortura dizer: “Eu cruzei o mar. Atores sempre cruzam o mar”. Seu desabafo espelha a dinâmica diaspórica de quem encontra na arte uma pátria. Para essas almas, a única geografia estável é o deslocamento. Angelopoulos enquadrava esse filme, que o projetou mundialmente (muito antes de ganhar a Palma de Ouro por “A Eternidade e um Dia”, de 1998), como uma investigação da História. É curioso encontrar uma dinâmica similar à do artesão autoral grego, cinco décadas depois de sua aclamação, na volta de “O Mambembe” (1904), de Artur Azevedo (1855-1908), aos palcos.

Esse monumento dramatúrgico do Brasil é revivido por um grupo de estrelas em estado de graça. O que antes, na raiz da peça, poderia ser enquadrado como um estudo do ofício de atuar preserva tal verve em sua volta, mas adquire uma dimensão historiográfica qual se viu no cult do realizador de Atenas. Não é só um rastreio de como atrizes e atores ganhão seu pão, mas é, também, uma cartografia histórica de como a arte escancara o iluminismo nos feudos da intolerância. Tal semelhança só pode ser diabrura dos deuses. 

Tem uma constelação em cena na releitura em cartaz no Oi Casagrande que acrescenta um plural ao projeto de cronista de Azevedo vindo lá no início do século XX (com cara de XIX). A encenação de agora virou “Os Mambembes”. Os “ésses” (s) são um indício de que a matriz do autor passou por uma reforma (estética… e política). Em Os Mambembes, equilibram-se sob a ribalta Cláudia Abreu, Camila Boher, Deborah Evelyn, Julia Lemmertz, Leandro Santanna, Orã Figueiredo (devastador) e Paulo Betti, acompanhados pelo músico Caio Padilha. Cada um com seu cada qual faz seu show, num revezamento pelo mundaréu de tipos da peça original. Betti desfila segurança em especial quando encarna o guia de uma turma de intérpretes profissionais.  

A premissa original, transformada em especial da Globo, nos tempos da “Terça Nobre” (1993), por Guel Arraes, manteve-se na adaptação atual, esquadrinhada na pena de Daniel Belmonte, Emílio de Mello e Gustavo Guenzburguer e dirigida pelos dois talentos citados aí ao lado. O enredo segue as cabriolas empresariais de Frazão Bartolomeu para dar vida ao projeto de sua companhia teatral. Junta-se a ela a jovem atriz Laudelina Galoso, cobiçada por gaviões dos quais se desvia a dizer “Não é não!”, num sinal dos tempos. Na trupe estão Aurora Fúlgida, o pessimista Vieira, o decadente e alcoólatra Lopes da Veiga e o jovem Eduardo. Eles saem estrada afora na busca de um fiel público para suas peças. O canastrão metido a Laurence Olivier encarnado por Orã é tão difícil de lidar que só consegue viver de solilóquios, pois só no monólogo ele é rei. 

Ao esbarrar com o aspirante a alcaide Pantaleão Praxedes, o coletivo de Frazão se vê enredado nas garras de um carcará da política mais vetusta deste país, perfumada de coronelismo. Ele tenta impor aos encenadores um texto chinfrim, “A Passagem do Mar Amarelo”, com o desejo de ser um Eurípedes em seu povoado. Caberá a Laudelina e seus companheiros driblar as imposições e as vaidades, num jogo de armar em que a farsa sai do palco para fora. 

O resultado dessa reedição, fruto de oito meses de trabalho, é a reflexão sobre a resiliência do teatro nos tempos do cólera (inclusive a dos minions), numa atualização de visões de mundo decimonônicas (ou seja, resquícios morais dos anos 1800) à luz de pautas urgentes do Presente. A alquimia do elenco se manifesta em cena numa covalência azeitada de talentos, com sazonais destaques para Cláudia Abreu (que fez “O Mambembe” de Guel com Emílio) e Leandro Santanna. Quando Orã abre a boca, aí o riso sai em coro da plateia. Plasticamente, em meio à ginástica desses astros, os figurinos de Marcelo Olinto (quiçá os mais dionisíacos vistos nas artes cênicas cariocas este ano) se impõe sob a iluminação apolínea de Nadja Naira.

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