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A Procura de Martina promove debate sobre o apagamento da memória

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Márcia Faria é uma cineasta que comprovou seu talento no comando de séries diversas como AliceOscar Freire 279 #MeChamaDeBruna. No entanto, só agora estreia em longas metragens, olhando com delicadeza para o esquecimento em A Procura de Martina. Esse parece ser o tema da semana nos cinemas brasileiros, porque ainda temos Oh, Canadá versando sobre o mesmo tema, sob uma ótica diferente. Aqui, existe o contexto político e histórico que une a maior parte da América Latina, atingidos em sua maioria pela ditadura militar em algum período, isso está na Argentina, palco do ponto de partida da narrativa, e também do Uruguai e do Brasil, países responsáveis pela nacionalidade do filme. 

Da maneira mais delicada possível, o filme costura duas situações afins cuja conversa é mediada pelos elementos que já elenquei aqui. Como esquecer o que fez tanta gente sofrer? Como esquecer o massacre provocado por genocidas, ditadores, períodos nefastos da História? A Procura de Martina lida de maneira eficiente com essa proposta, colocando em cena essas contradições no roteiro, e ousando promover um debate sobre o apagamento que a tragédia também implica em quem a sofreu. Uma maneira mais polêmica de levantar esse debate é através do olhar interno, de alguém que esteve na parte mais atingida do horror, e o apaga constantemente da própria existência. Uma maneira de fugir aos efeitos da dor?

Martina é uma sobrevivente da história de seu próprio país. Como tantas outras, ela foi às ruas argentinas pedir ao Estado para localizar o paradeiro da própria filha, que desapareceu entre os anos ditatoriais, na Argentina. Sua alcunha correu países – as Mães da Praça de Maio. Hoje, ela precisa conviver com dois fantasmas: saber do desaparecimento do neto, bebê que sua filha teve em cárcere, e a aproximação regular do Alzheimer, que a cada dia lhe tira mais a capacidade de corrigir o que houve. Seu tempo é ínfimo, não de vida, mas de memória – é nesse contexto que A Procura de Martina promove sua urgência: a cada dia que passa, o esquecimento se avizinha com mais força sobre o passado. A questão agora é vencer a História e determinar o que e como fazer com o que temos à mão. 

A maior parte do longa é ambientada no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, onde a tal busca do título desemboca, com a personagem-título encontrando o que parece ser uma pista a respeito de sua própria narrativa. Com suavidade, Faria constrói um filme essencialmente feminino, onde os únicos personagens masculinos relevantes são um morto e um desaparecido. Em tela, o que vemos é um filme que celebra a sororidade de muitas formas, mas também não deixa de mostrar alguma resistência a essa caçada de predominância das mulheres. O filme celebra tais tipos como as mantenedoras da família, guardiães da memória e virtuais preceptoras de um futuro que seja esclarecedor, sem rusgas para serem consertadas, ou qualquer arremedo de verdade. 

Para tanto, lida com essas perdas pertinentes como um mergulho gradual em uma demonstração a respeito do silêncio. Martina, vivida pela gigantesca Mercedes Morán (que esteve em clássicos como O Pântano Diários de Motocicleta), é um tótem impávido mesmo diante de algo parecido com um fim. Sua resistência, que até consegue ser ruidosa em determinado momento, é uma demonstração gradual de solitude e afastamento. Nos raros momentos onde enfrenta as resistências com fúria, A Procura de Martina sai do lugar que já conhecemos para um retrato ainda mais vivo dessa fortaleza. Nas mãos de Faria, a atriz percorre lugares conhecidos, quase esperados, com uma elegância que transforma o que vemos, é carregada de compaixão e consegue uma comunicação mesmo diante das acertadas elipses do roteiro. 

No lado brasileiro, ao menos duas atrizes se impõem. As curvas que Carla Ribas imprime na tela são muito inteligentes, pois permite que o espectador perceba dimensões de sua personagem, tirando-a de um lugar comum e adestrado. Ela é muito maior do que está realizando em cena, seu olhar e seu corpo seguem para o lado oposto das palavras, tem muita sagacidade cênica no que ela faz. E Luciana Paes, uma atriz que consegue absorver cada espaço que é dado para ela, que é brava na construção de uma leveza necessária para esse filme. Com o equilíbrio que suas intérpretes conseguem, A Procura de Martina fala sobre o esquecimento de todos nós, o lugar para onde estamos destinados, e o papel da pátria nessa mesma sombra.

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