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Em ‘Carangueja’, Tereza Seiblitz tira o caos da lama numa peça grávida de invenção

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Diante do argumento “a humanidade se divide em dois grupos: os que concordam comigo e os equivocados”, o dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014), autor de “A Pedra do Reino”, não deixava brecha para dúvidas em nada sobre si, vitaminando-se ainda mais quando o Brasil via sua obra ganhar corpo de gente, em especial gente com talento do quilate daquele que Tereza Seiblitz tem. Em “Carangueja”, ela passou pelos microcosmos do autor de “O Auto da Compadecida”, em 1994, no papel central de “A Mulher Vestida De Sol”. 

Naquele especial de “Terça Nobre”, sublime, a atriz fez a televisão transbordar alumbramento. A década de 1990, na teledramaturgia, foi, certamente, iluminada por Tereza, que foi bússola de brasilidade no imaginário de quem cresceu naquela época, entre novelas lendárias.  

Antes de ser a Dara de “Explode Coração”, Tereza engatou o Brasil numa encruzilhada entre a fé e a moral em “Renascer” (1993), no papel de Joana, profeta de seu próprio destino, presa por casamento a Tião Galinha e solta dos grilhões do “tu-deves” pelo querer do Padre Lívio. Eram tempos de uma sinergia criativa singular da atriz com o diretor Luiz Fernando Carvalho, o Orson Welles do Plim-Plim, hoje titânico no cinema, vide “A Paixão Segundo GH”. O trabalho deles libertava feras enclausuradas pelo processo falsamente civilizatório de domesticação de uma televisão que se via como produto, não como arte. O que Tereza faz é arte, com A, na TV e, agora, no Poeirinha. 

Seu “Carangueja”, vetorizado pela direção de movimento de Denise Stutz é uma expedição sem volta ao pântano demiúrgico da invenção e da imaginação. Aliás, a generosa oferta de pepitas de argila, dispostas para o público sob as cadeiras do Poeirinha, deixa evidente que o espetáculo, será uma jira de criação em bando. A interação da gente se dá pelo tato, na manipulação daquela massinha. Processo sinestésico maior, impossível.

A gente aperta massinha enquanto ela fala. Seu falar goteja inquietudes. Umedece o amassar. Faz pão. O pão da criação.    

A ação se passa num mangue. O nome, numa genealogia artística, evoca Chico Science (1966-1997) na marola de seu pós-tropicalismo com coentro. Na lama, embrulhada em sons diversos, a figura encarnada em Tereza passa por uma metamorfose, numa licantropia de gente a bicho, menos opressora do que a vivida por Gregor Samsa nas páginas de Franz Kafka (1883-1924). O coitado kafkiano virava barata. A força feminina expressa por Tereza entra num devir crustáceo. 

Condenados por justiça de orixá a nunca andarem para frente, caranguejos carregam na pinça o fardo de um erro trágico de outrora. Vivem no lamaçal de um Brasil que acha alimento e sabe firmar encantamento onde menos se espera. É esse inesperado que serve de argamassa cênica ao trabalho de Tereza. Se o manguezal é bioma de transição – entre os ambientes terrestre, fluvial e marinho -, o teatro é flora e fauna milenar de tragédias e comédias, com Ésquilo e Aristófanes a compartir o mesmo barro com Shakespeare e Plínio Marcos. Barro é berço. Berço é acolhimento do ventre. Ventre é vida. Vida, como dizia Ariano, “é dura, mas fascinante”.   

O fascínio de “Carangueja” vem da translação de uma atriz (em vertigem) sobre a terra úmida das nossas desatenções e da iluminação de Adriana Ortiz, dionisíaca desde o soar do terceiro sinal. Amalgamada à encenadora Fernanda Silva na direção, Tereza esculpe uma trilha reflexiva sobre os dilemas que nos travam, enquanto dá receita de moqueca, baila e espatifa verbos, na busca pelo tutano das palavras.

Saiba mais sobre a peça!

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