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Os Enforcados: Fernando Coimbra apresenta uma obra cheia de maturidade

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Fernando Coimbra ficou longe dos cinemas tempo demais. Esteve envolvido em uma quantidade respeitável de episódios de séries de TV (incluindo algumas premiadas, como “Narcos” e Perry Mason), um longa estadunidense para a Netflix, mas a verdade é que estamos aguardando um novo O Lobo Atrás da Porta há mais de 10 anos. Após a estreia espetacular que o catapultou para um reconhecimento merecido, incluindo uma indicação do Sindicato dos Diretores nos EUA, ele retorna enfim com seu novo filme, Os Enforcados. Essa informação é suficiente para que corramos aos cinemas, mas também é uma maneira de prestigiar um cinema de invenção dentro do gênero, que não deixa de manifestar autoralidade em meio a universos considerados menores.

De verdade, Coimbra mantém a qualidade (ou talvez até se sobreponha) no que consiste todo o processo cinematográfico técnico. É um painel invejável do que o melhor pode ser alcançado no cinema brasileiro, dos melhores técnicos, da melhor equipe em todos os setores possíveis. Com experiência e apuro, Os Enforcados é como um diamante lapidado à perfeição, que supera os congêneres de qualquer parte do mundo com uma produção clara de suas qualidades. Não há, de aparente, nenhuma ponta solta, esteticamente falando, que é deixada por seu grupo de profissionais. O resultado não precisa ser procurado, porque estamos diante de um quadro de excelência muito explícito, incluindo o trabalho de montagem da grande Karen Harley, premiada por obras do quilate de Cinema, Aspirinas e Urubus Que Horas Ela Volta?.

Através do trabalho de Harley, o ritmo encaminhado de maneira contínua para a tensão crescente é mantido durante os 110 minutos de filme, que privilegia para a edição do que vemos uma gradação circular, que permite à obra sempre observar o quadro geral, além dos aspectos particulares. Os Enforcados, também mais do que seu filme mais festejado, é um trabalho onde o drama e a construção de seus tipos parecem mais constituídos pela ação do que pelo psicológico. Entendam: isso não significa que seu material de roteiro é um suporte menor, e sim que o trabalho de direção de Coimbra conseguiu chamar a atenção por cima da narrativa, e ainda não tornando-a obsoleta ao que assistimos. 

Ajuda muito que Coimbra seja tão excelente diretor de atores, e que tenha à sua disposição um grupo tão diverso, que vai de uma Irene Ravache ladra de cena, até um Stepan Nercessian no limite do ameaçador. Mas é na cabeceira da mesa o lugar para onde todos olham, e nela estão Leandra Leal e Irandhir Santos, também conhecidos como dois dos maiores atores do país. E se um alienígena chegasse à Terra e não soubesse disso, bastaria assistir a Os Enforcados para compreender tal afirmação. Premiados e estabelecidos, ela já esteve com ele antes em um de seus mais lembrados momentos no cinema; ele é a estreia, e ambos nunca tinham estado juntos antes. Existe, a cada novo momento, uma química entre eles que se espalha entre todos desse extenso elenco, uma química sutil que define o calor dos momentos filmados, e gradua essa temperatura para mais ou menos. 

Como os protagonistas da empreitada, Santos consegue extrair o sumo de um lugar onde já esteve antes, com evidentes doses crescentes de desespero e medo; já Leal parece muito à vontade em cenário novo para si, que ela molda com esse sabor inédito. Existe química cênica entre eles, e ele bem rápido entende que precisa servir a muitas cenas de Leal; isso acontece de maneira orgânica, e ela pode desfiar o manancial de esquizofrenia crescente que sua personagem precisa apresentar, em registro que varia entre a tragédia e a comédia. Parece simples, mas beira o genial em várias cenas, um quadro que é subitamente assolado por pequenezas, e exibe mais impacto quanto menor for a intenção de determinado evento. 

Existe, no entanto, uma questão que pode ser encarada como subjetiva (assim como toda opinião, ilibada ou não), que é nossa gradual descoberta do que está sendo tratado em cena, enquanto narrativa. Sem muito disfarce, vamos adentrar a órbita da adaptação teatral de uma obra já revisitada há décadas, inclusive já rendendo ao menos um longa anterior, e que aqui teve tal informação apagada. Quando tal entendimento chega, é impossível, no entanto, não acompanhar os acontecimentos sem essa certeza em mãos; o que seria de nós, espectadores, se isso estampasse o cartaz do filme e seus créditos? Talvez, à primeira vista, tenha me soado de alguma forma frustrante diante de um encaminhamento prévio das ações que o conhecimento da obra acarreta, e essa sensação cresça no olhar dos outros – ou não. 

O que fica da experiência é mais ou menos rico que essa camada de frustração? Sob o comando de uma trupe tão superlativa em tudo que apresenta, o sentimento provocado por Os Enforcados ainda é dúbio, talvez partindo da vontade muito tátil de assistir Coimbra apresentando material inédito depois de tantos anos, e deparar-me com uma adaptação, ainda que não assumida. Apesar dessa sensação dúbia e até por esses mesmos sentidos, as imagens do filme não saem da cabeça, a força do que é apresentado fica após o que assistimos. Esse é o sinal de uma obra cheia de maturidade, que acrescenta imageticamente camadas ao que já sabemos no papel. Dessa forma, o que se torna evidente dias após a sessão é a de um material poderoso, e efetivamente uma obra de mise-en-scène acima de tudo, ou ‘um filme de Fernando Coimbra’. 

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