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‘O Céu Da Língua’ é uma micareta gramatical

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Vicentina de Paula “Dalva de” Oliveira (1917-1972) cantava, ali pelo idos dos anos 1950, que “um pequenino grão de areia/ que era um pobre sonhador/ olhando o céu viu uma estrela/ e imaginou coisas de amor”. Não sei se contaram essa pro Gregório… o Duvivier… zé-pereira cujo bombo ressoa na TV, na Porta dos Fundos do YouTube, na prosa, no verso, na telona, no palco. 

Sei que passaram anos, muitos anos… A estrela ficou no céu e o grão, no mar; e dizem que nunca o pobrezinho pode com ela encontrar. Esse saçarico entre um pinguinho de chão e um corpo celeste de ninfa, rendeu um hino ao querer daqueles que só o português bem falado (e bem cantado) produz. 

'O Céu Da Língua'

Essa usina de hinários é o tema da peça que Gregório esculpiu, a partir de andanças pela terrinha, Portugal, em 2024. Lá, onde a letra éle é melíflua e o falar é circunflexo, nasceu um sucesso cênico tamanho GG. Gregório puxa e estica a tapeçaria da linguagem. Ela solta e enrola  

Se houve ou se não houve, alguma coisa entre a tal estrela e o pequenino grão de areia, em cujo peito bate um coração que usa óculos, ninguém soube até hoje explicar. A verdade é que o idioma que pariu Dalva, caetaneou em Santo Amaro (BA) e, todo veloso, ouviu o “Leãozinho” dar a um compositor baiano status de ícone da poesia de nosso falar. 

Daí Gregório citar (e cantar) Caetano no frigir de “O Céu da Língua”. Além de reler “Livros”, do menestrel da Tropicália, frisando o verso “tropeçavas nos astros desastrada”, Gregório, em seu devir centauro (meio ator, meio dramaturgo) disseca o “Trem das Onze” na Jaçanã de Adoniran Barbosa (1910-1982). Cada desculpa de amor expressa no hit dos Originais do Samba vira pó.

Aliás, “pó” poeira vira na boca do comediante, que abre seu monólogo a perguntar para o que serve um poeta na pólis. Dissecando o que chama de “léxico da inhaca”, num vernáculo que põe certas expressões para fuzilamento, ele celebra o enterro tardio do trema, matraqueando termos que ficaram órfãos do sinal, como “pinguim” e “linguiça”. 

Com direção crocante (assinada pela atriz Luciana Paes, parceira de Gregório nos improvisos do espetáculo “Portátil”), “O Céu da Língua” não apenas arrola o lado mais danado de certos verbetes como lança seu sonar cômico em prol da reinserção social de verbetes escanteados. Além disso, até os signos de ação das carreatas bolsonaristas passam por seu crivo, a pedradas. 

Na virada do século, à luz do sistema heliocêntrico, o Jornalismo decretou, por exemplo, que “sétima arte” teria o prazo de validade cassado (e não caçado) por ser brega demais. Quanta metáfora se perdeu nesse melê. Aliás, o que existe de expressão a cabriolar pelo dicionário não tá no g… quadrinho – pois “gibi” foi alvo de cancelamento. Cabe a Gregório reanimar muitas

Destrezas não lhe faltam, a quicar num palco cenografado num compasso apolíneo por Dina Salem Levy qual fosse o coelho Ricochete. Desquita o “ledo” do “engado” e isola “rio” do “caudaloso”, na percepção de que, no exercício de friccionar a parole na langue, ninguém é de ninguém. Frasear é deixar sujeitos e predicados na mira dos gaviões da prosódia.  

Para monologar essa reflexão, Gregório abriu mão da estrutura convencional de “bloco do eu sozinho” padrão em tal modalidade teatral. Calçou-se do instrumentista Pedro Aune, a criar ambientação musical hipnótica com o seu contrabaixo. Trouxe a irmã, a designer Theodora Duvivier, para manipula as projeções exibidas ao fundo da cena qual fosse bolhas de sabão a espocar alumbramentos.

O que poderia ser um recital de versos vira uma micareta gramatical com espirito zombeteiro digno de Pegadinha do Faustão e graça de Videocassetada. ‘O Céu Da Língua’ é, certamente, democracia do verbo. Faça-se o aplauso para um artesão da inteligência. Gregório é lé, é cré, é dó, é ré e faz mi. Iaiá e ioiô. 

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