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“Terminal” é um jogo de armar sobre o jogo de amar

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“Terminal” é mertiolate: arde… e ao arder, cura. A ardência se dá quando o texto de Gustavo Vaz nos lembra uma das máximas mais bonitas da dramaturgia ocidental, assinada pelo francês Jean Anouilh (1910), autor de “Leocádia” (1940) e “O Viajante Sem Bagagem” (1937): “Existe o amor, é claro, e existe a vida, sua inimiga”. 

Nestes tempos em que antissépticos não pinicam mais a pele, para facilitar acomodações e filtrar o risco de ziquizira, “Terminal” é também uma love story, mas não em tempo integral. Recusa a dedicação exclusiva ao benquerer, a fim de abraçar uma estrutura de jogo de armar. Tem sua cota de riso, tem sua cota de provocação, mas é soberano na experimentação. 

Diante das poltronas, uma atriz e um ator, que se amaram em algum momento de um pretérito imperfeito que se pretende presente, falam que não sabem a hora de começar o espetáculo… nem como inicia-lo. O jazz do rolê começa assim, como se fosse a batida do “Take Five”, de Dave Brubeck (1920-2012). Na suavidade, eles te pegam. Suavemente sobem ao palco. 

No que sobem… acaba nossa paz. N’algum ponto, eles demonstram que a paixão que os move vai além da devoção ao teatro, num projeto em que se engajaram para ensaiar uma peça de angústias em família. Nessa tal peça os dois entes em cena vivem mãe e filho. 

A relação maternal ali anda abalada por um abismo de mágoas despetaladas entre enterros cabulados e sanduíches de jaca. Falta paciência. Falta perdão. 

Ouvimos algumas (poucas) informações sobre essa sinopse, não sabemos se do próprio Vaz ou da figura… o Ator… que ele encarna… ou do Filho, personagem encarnado pelo tal Ator. Passa o mesmo com sua colega de cena… a Atriz… ou a Mãe. 

Intérprete de múltiplas destrezas, sobretudo em sua aptidão de usar a voz como aríete para impulsionar fúrias, Vaz, além de escrever, está luminoso em cena, ao lado da usina nuclear de inquietude cênica Kelzy Ecard. A covalência deles é plena. A de seus personagens é inflamável.

A experiência que fazem é um salto entre o que é encenação, o que é vida, o que são eles (de fato) e o que são as personas que criam a partir de um texto sobre desinências amorosas diversas. Arranha-se uma fronteira que evoca o incesto, na forma como amantes transitam por um devir mãe e cria, mas sem nada de Jocasta e Édipo aparente.  

Na direção, Cesar Augusto pilota as carrapetas desse jogo com elegância, na forma de encenar trânsitos e transes…. o real e o encenado… o definito e o provisório. Tem ali algo de “A Mulher do Tenente Francês” (1981), o filme de Karel Reisz (1926-2002) no qual Meryl Streep gravita entre duas figuras femininas, enquanto Jeremy Irons se divide entre dois signos masculinos.

O que Vaz escreve evoca ainda o filme-brincadeira “Pater” (2011), no qual o diretor francês Alan Cavalier e o gigante da atuação Vincent Lindon, amigos fora das telas, fingem ser atores interpretando um pai e um filho. Eles bebem vinho do Porto em bares, sonhando com um filme que poderiam fazer juntos, sem delimitar o que é cena e o que o viver. 

Parece confuso, mas o dispositivo nos ganha pela elegância, no caso do que Kelzy e Vaz fazem, banhados na iluminação minimalista de Adriana Ortiz. O cenário de Doris Rollemberg forma quase um triângulo com a Atriz e o Ator. Ao abraçar projeções que estancam em cena como fotos de still, o espaço transmite a sensação de um lar alquebrado. Ele espelha uma falta. A falta move a troca. 

Trocam-se cobranças em níveis diferentes de apreensão. A Atriz cobra do Ator o amor que era pouco e se acabou. A Mãe cobra do Filho a presença que escasseou. O Filho cobra a Mãe, com ressentimento, pelas condescendências dela com os abusos do pai. Vaz e Kelzy cobram um do outro apenas a cumplicidade, que se desenha em cena como um abraço que (nos) abriga. A forma como Cesar Augusto encena nunca perde o timbre afetivo, mesmo nos momentos mais algébricos dos diálogos, nos eixos mais racionais. Os trechos regados a Roberto Carlos nos desmamam das carências do dia a dia, preenchem a cena de um ultrarromantismo que acalenta o peito e diluem a natureza geométrica que “Terminal” ostenta. Tem mel ali. 

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