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“Delírio” é o pique-pega entre Jonas Bloch e a poesia de Manoel de Barros

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No manual do supérfluo e do assessório que rege as instruções de sua leitura poética deste mundo, o bardo mato-grossense Manoel Wenceslau Leite de Barros (1916-2014) aprendeu que deve dar “respeito às coisas desimportantes”, pois é nos desvios que vive a surpresa. Ciente de andar “completo de vazios”, sem eternidades, o cuiabano, autor e “Meu Quintal É Maior Do Que O Mundo”, soube bem cedo do seu “desapetite para inventar coisas prestáveis”. Prestar atenção às “insignificâncias” foi sua arte. É a partir dela que Jonas Bloch nos leva ao “Delírio”.

Assim chama o espetáculo do ator e artista plástico mineiro que fez das artes cênicas quintal e liceu. Aprendeu ali algo que Manoel escreveu: “a inércia vai crescer em nossa boca”. Se essa tal inércia for a das árvores, ok. Nelas estão “os vareios do dizer”, como dizia o forjador de versos como “Tem mais presença em mim o que me falta”. 

Um substantivo (o supracitado “Delírio”) basta, em colheradas de encanto, pra ultrassonografia que revela o sexo das vogais e das consoantes, revelar verdades. No palco do Teatro Vanucci, com um Bloch iluminado, cada palavra está grávida de um poema. O lirismo testou positivo. 

Aliás, Bloch é obstetra de si mesmo ao dar à luz uma peça que se parece com circo, finge ser verso, lembra “La Strada” de Fellini, mas no fundo é apenas vida. Normal! Como Manoel escrevia: “o esplendor da manhã não se abre com faca”. Tampouco o do teatro. Viver é encenar.

O menino em pele octogenária, Bloch, forte como um zebu em cena, diz pra gente, já de cara, que “a alegria da manhã é ter chovido à noite”. A fala é um aboio para as forças silvestres que hão de abrir sua gira. 
O menino Bloch é graaaande à luz da ribalta, com um histórico de andanças invejável (também na TV e no cinema), mas se apequena para Manoel passar, num monólogo que é uma micareta para os verbos e seus piolhos, os adjuntos. Adjetivos recostados qual fossem remelas no olho da gente o inflam e o fazem gigante numa gramática de encenar poesia e dramatizar estrofe.  

Sujeito homem, o predicado desafia o sexismo de seu nome para transcender em oração em cena, rodeado por objetos de cena, concebidos pelo próprio Bloch num ploc de si mesmo. O chiclete de bola da invenção que faz dele artesão, num devir Artur Bispo do Rosário, inunda o Vanucci num efeito 3D de volume, de ranhuras, das cicatrizes que matérias esculpidas têm. 

Ali ele fala. O que diz é puro Manoel. Do Barros vieste ao Barros voltará: “Ao lado de um pardal o dia dorme antes”, escreveu o Walt Whitman de Cuiabá e é da escrita dele que Bloch faz homilia para rezar o evangelho da Natureza e tomar a hóstia do alumbramento. Brincando entre versos, seu pique-pega nos liberta do esconde-esconde do moralismo e nos devolve à infância. 

Saiba mais sobre a peça!

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