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Paris, Texas celebra 40 anos de seu lançamento

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Não lembro exatamente quando foi a primeira vez que assisti Paris, Texas, mas antes de mais nada preciso dizer que, quando um filme completa 40 anos e tem toda a merecida aclamação que um filme como esse teve, muito provavelmente ele já foi abraçado de inúmeras formas por todas as gerações de críticos antes de mim. Cabe a mim, nessa revisão em uma cópia estalando de nova remasterizada em 4K para esse momento de comemoração, me dedicar não a dissecar o que já foi feito por tantas vezes, mas incluir o meu olhar a essa discussão. E o que um mestre como Wim Wenders faz aqui é nos convidar a uma espiral em torno da solidão que se segue ao abandono, que não está expressa em eventos, mas em anti-eventos. Quando a imersão no luto é tão profunda que o resultado é o desligamento, diante do vazio. 

Travis caminha pelo deserto, sem rumo. A falta de água (e a busca pela mesma), não apenas faz com que ele encontre ajuda, como percebemos que ele não está em busca de perder-se, mas que um pedido de socorro está em andamento. Só que esse não é um pedido comum a alguém específico; embora seu irmão que não o vê há 4 anos surja, ele está pedindo algo à vida. Àquela que ele deixou para trás, e que também o abandonou após o fim do idílio. O que Wenders ensaia de mais forte em Paris, Texas é a ausência da tragédia como mote do melodrama; não existe um crime que justifique o que foi feito, ou uma perda dilacerante. O que corta a carne mesmo é a certeza de que são os dias e as horas os motivos do horror, a sombra da existência cotidiana que apaga tudo o que se amava. Ou, é um pedido de socorro à vida pelo que a própria vida nos fez. 

O protagonista, saberemos em breve, está em busca de um retorno às raízes, que é o próprio significado do título do filme, e do endereço na narrativa. O que está sitiado em Paris, Texas não é apenas o concreto de um terreno, mas o retorno de um estado de inocência perdida; retornando ao cúmulo do sensível, e assim, quem sabe, conseguir resgatar o que não aceita perdido. Paris, Texas mostra ao que veio quando suas imagens desoladoras arrebentem na tela, para que a entrada no universo do protagonista faça cada vez mais sentido, e a compreensão possa ser natural ao que vemos. É o céu em ebulição, é a terra que serpenteia diante dos olhos, são as estradas sem fim que as jornadas nunca encerram: tudo parece estar no lugar independente da dor, mas ela é o mote central daquela viagem – não sentir mais. Nem a aridez de sentimentos, nem a queimadura de um passado onde todos são culpados. 

Escrito pelo ator e dramaturgo Sam Shepard, o roteiro de Paris, Texas segue a complexidade que o seu diretor imprime através dos planos. E segue para além do que as imagens prenunciam, com um olhar atento para o que o casal separado do filme quer imprimir com o fim de sua história. Não é como se o filme prometesse facilidade no que se vê, mas o jogo que o filme apresenta carrega uma sinopse fria e um significado emocional e imagético com camadas infindáveis. É apenas o fim do amor assolado pela realidade, aquela que apaga qualquer imagem de um filme caseiro capturada de maneira leviana, qualquer sonho do litoral embalado como uma máquina do tempo. Nada poderia ser mais frugal, ao mesmo tempo que pouco poderia ser dito de mais desolador, quando não há mais sentido na conexão, ainda que não falte amor. 

Wenders acabou convencionando a solidão como parte integrante da experiência humana, e isso esteve tanto em seus documentários recentes (O Sal da Terra, por exemplo) quanto em suas obras de ficção, como o mais celebrado e último Dias Perfeitos. Mas ainda que a gênese desse ideal não esteja em Paris, Texas, o que é promovido aqui também tem uma performance desse lugar primordial, o de aceitar essa resolução maior como algo simples e sem sofrimentos. Travis caminha para solucionar o estado das coisas com sua família, com o filho que abandonou e com a mulher que foi sua razão de viver. Mas ele o faz para que suas implicações não tenham outro caráter que não o da eterna reflexão, de tentar compreender o próprio ser e seguir seu caminho de aprendizado. 

Com 12 longas no currículo na ocasião de 1984, Wim Wenders testou ali uma ideia que nunca envelheceria sua filmografia, e sob o qual Paris, Texas acrescentaria luz. O ser humano precisa se autoconhecer para aprender a não projetar sobre a vida nada além do que lhes é motivador; para além do seu protagonista, de maneira sutil é o descobrimento que Travis incute em todos que ele volta a se aproximar. Seu desaparecimento motivou uma série de eventos na vida de seus entes, e ao voltar ele mostra que precisava daqueles 4 anos para compreender o que lhe afligia a ponto de submergir. Não estamos diante de um “filme manual”, ou de uma ideia que precisa ser vendida para ajudar o espectador. À margem de qualquer discussão está um homem que prefere continuar alheio ao que lhe faz sofrer, sem pretender solucionar coisa alguma. Mas, em seu último olhar para uma janela distante, Travis parece ancorar metade de sua confusão emocional. Sai então em busca de um novo lugar, sem encerrar seu discurso; apenas interrompendo-o. 

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