Rosemary de Souza Ferreira, conhecida como Dona Rosinha, lança o seu primeiro livro aos 66 anos

A escritora e líder comunitária Rosemary de Souza Ferreira, conhecida como Dona Rosinha, lança o seu primeiro livro aos 66 anos. “Memórias do meu quilombo” conta com prefácio da notável escritora Conceição Evaristo e orelha assinada pelo gestor cultural Fabiano Piúba, do Ministério da Cultura (MinC), reúne 16 narrativas curtas e memórias em primeira pessoa, tecidas a partir da vivência da autora no Quilombo Morro Santo Antônio, em Itabira (MG).

“A maneira de Dona Rosinha mesclar oralidade e linguagem formal em sua escrita nos chamou atenção e, para termos certeza de que o texto recebido representava a escrita da autora, solicitamos fotografias do seu caderno de memórias e realizamos o cotejo entre os escritos — o que nos confirmou que aquele era mesmo seu jeito de escrever”, diz Mariana, editora da obra com a mãe, Cristina Fernandes Warth. O livro traz capa de Rafael Pereira, cedida pela Galeria Estação.

Na introdução, Mariana explica que “Dona Rosinha utiliza os pronomes oblíquos -me, -se, -o, -a, -lo, -la, -na para retomar a pessoa sobre a qual ela fala. “Em outros casos, a autora repete o nome do sujeito em vez de substituí-lo por um pronome. Outra característica de sua escrita é o emprego de vírgula e ponto e vírgula conforme a norma culta da língua, ainda que este último seja um sinal de pontuação cujo uso correto causa dúvidas até em escritores renomados”.

Produzido a partir de cadernos manuscritos, o livro foi transcrito por seu filho, Vinicios, e preserva o estilo original da autora, conferindo ritmo e autenticidade ao texto. Em cada relato, Dona Rosinha rememora a infância, a luta coletiva, os desafios do cotidiano e a importância de manter viva a ancestralidade quilombola. Aliás, mais do que autobiográfico, o livro é também um registro da história recente de uma comunidade pobre, incrustada na cidade onde nasceu o poeta Carlos Drummond de Andrade. 

Nele, o leitor encontra a experiência de uma mulher que atravessou as desigualdades do campo e da cidade sem jamais se afastar da dignidade e da esperança. Cada fragmento carrega a força do pertencimento e a consciência de que escrever é também “plantar sementes para quem vem depois”, como expressa um texto que o leitor encontrará neste Memórias do meu quilombo.

No prefácio, Conceição Evaristo celebra o gesto de Dona Rosinha como um marco simbólico e político. “Apresentar o conjunto de relatos que compõe este pequeno livro me trouxe uma profunda satisfação. Porque, se pequeno é em sua materialidade, grande, imenso, é o seu significado. Trata-se de um livro que encena o movimento de uma pessoa das classes populares que se apropria da escrita para salvaguardar as suas memórias”, afirma, com conhecimento de causa. Conceição classifica a escrita de Dona Rosinha como escrevivência – termo cunhado por ela e já muito difundido.

“O rememorar da moradora do Quilombo Morro Santo Antônio, em muitas passagens, recorda fatos, sentimentos, realidades vividas e também escritas por Carolina Maria de Jesus no livro Quarto de despejo. Outros registros de vida que igualmente podem ser lidos em diálogo com as narrativas de Dona Rosinha são as escritas de Maria de Jesus da Silva (Zuza), no livro Divã de papel, assim como as memórias publicadas de Celeste Estrela, no livro Coroação preta“, aponta Conceição Evaristo às obras que antecederam este lançamento da Pallas.

Na orelha, Fabiano Piúba – muito presente na cena literária do país, viajando a todo instante para representar o MinC – exalta o nascimento tardio de uma autora com tantos predicados. “Agradecemos pela sua vida, Dona Rosinha. A senhora é escritora. Que este seja o primeiro de muitos outros livros de sua autoria. Se a gente aprende a ler para escrever a nossa própria história, sua literatura é um ato de liberdade, criatividade e cidadania”, afirma Piúba.