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O Agente Secreto traz a crocância da brasilidade

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Crocante na radiografia de um Brasil acossado pela paranoia de um governo de farda, O Agente Secreto faz “creck” na boca da gente sem deixar na língua aquele amargo típico do campo narrativo no qual o debate conta mais do que a jornada. O Agente Secreto é, certamente, um thriller político sintonizado com a linhagem do gênero feita na Hollywood nervosa da década de 1970.

Seu miolo é recheado com tomadas de perseguição que evocam a caça de Gene Jackman a Fernaneo Rey em Operação França (1971). Há um clima de risco iminente bem parecido com aquele no qual Robert Redford era mergulhado em Três Dias Do Condor (1975), joia à qual se filia ainda pelo tema da arquivística e da ciência da informação. 

Aliás, todas essas alusõesse delineiam sob um espectro de brasilidade, que celebra a força cultura de muitos Nordestes, a se destacar o do Recife. Seu Carnaval, seu calor, sua doçura, está tudo ali, entre personagens que ficam na memória, em especial o projecionista com ares de pai urso Seu Alexandre, vivido por Carlos Francisco.

Rolou muita água e alguma polêmica até que o Brasil decidisse (por lucidez e afinação com as PAs e PGs da Oscar Season) escolher O Agente Secreto para ser seu representante na corrida por uma vaga na disputa das estatuetas de Hollywood. Essa decisão foi anunciada pela Academia Brasileira de Cinema no dia 15 de setembro e com certeza tem poder para afetar (para mais… e melhor) a bilheteria da longa-metragem em sua pátria natal, onde sua estreia acontece neste 6 de novembro. 

De cara, sem dúvida, estamos diante do que se pode chamar de “O” filme brasileiro do ano… e de longe. Aliás, é um dos grandes filmes brasileiros desta década. Aos olhos da crítica, do mercado exibidor e de profissionais de diferentes áreas da produção audiovisual, O Agente Secreto é um título com perfil “já ganhou”, apoiado numa trajetória que lembra a de Ainda Estou Aqui em sua reverberação em festivais de peso. O sucesso comercial de Walter Salles, visto por 5,8 milhões de pagantes em cinemas do Brasil, começou seu percurso atrás do Oscar na briga pelo Leão de Ouro de Veneza, onde ganhou o primeiro de seus 67 prêmios: a láurea de Melhor Roteiro.

São duas horas e 38 minutos que passam num piscar de olhos. O longa traz a luta pela vida de um pesquisador e professor universitário (Wagner Moura em atuação colossal!) perseguido por matadores no Brasil de 1977, num regime de generais conivente com abusos de empresários e agentes da polícia.

Durante a projeção, não ouvimos ninguém falar em ditadura, mas quando a operativa de uma célula de resistência vivia por Maria Fernanda Cândido diz “pra te proteger do Brasil”, tudo se faz explícito. Nossos diabos institucionais, como o coronelismo, estão todos ali, assim como a jagunçagem, explicita no Charles Bronson do Mal vivido (com ardor) por Roney Villela.

 Eleito Melhor Filme em Lima, no Peru, O Agente Secreto zarpou de terras canadenses, no pomposo TIFF, em Toronto, para passar pela mostra Perlak de San Sebastián e pelo BFI London Film Festival. Mostras em Biarritz, Nova York e Zurique já estão em seu radar.   

Aclamado por onde passa, o filme tem fôlego para se tornar um blockbuster, termo aplicado a longas que vendem mais de 1 milhão de ingressos. Além disso, a trilha sonora dele gruda no tímpano; seus coadjuvantes vão conosco para casa ao fim da projeção (sobretudo o delegado Euclides vivido pelo oceano de carisma chamado Robério Diógenes).

Cada figura em é um Brasil. Há muitos Brasis na obra que o realizador de “Vinil Verde”, “Eletrodoméstica” e “Recife Frio” pavimenta no longas-metragem a partir de “Ao Som Ao Redor” (Prêmio da Crítica no Festival de Roterdã de 2012). Algums desses Brasis são feios, sujos e malvados. Mas todos batem cabeça para um credo sociológico: mais fortes são os poderes do povo. De1964 a 1985, esse povo perdeu… e feio… sob o garrote das forças armadas. Por isso, o herói de “O Agente Secreto” faz da democracia seu lugar de afirmação, seu chão.

Em nome dela, no esforço de democratizar saberes, ele se expõe ao risco, faz renúncias, navega n’águas infestadas de predadores. Não por acado, fala-se de “Tubarão” (1975) de cabo a rabo. É o longa que deu vida ao conceito de arrasa-quarteirão. É um Spielberg jovem, que se põe à prova, que ousa – como Kleber faz.

Apesar das mandíbulas abertas que o perseguem, o personagem de Wagner não capitula jamais. Ele avança… e mantém um riso tenso… que dá a medida dos tempos de loucura em que vive. Como dizia Rafael Sabatini (1875-1950), autor de “Scaramouche”: 

“Nos tempos em que o mundo se mostra louco, herói é aquele que mantém o senso de humor”. Que ironia boa Kleber nos oferece. Seu espetáculo febril se pavimenta sob uma montagem taquicárdica, de Eduardo Serrano e Matheus Farias, galvanizada pelo calor da temperatura de cores da direção de fotografia de Evgenia Alexandrova, que jamais se tropicaliza em excesso – e nunca se exotiza. A lei do cão do mundo que seu roteiro flagra já é exótica ao extremo. Late e morde.

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