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Quase Deserto: José Eduardo Belmonte apresenta um filme sobre imigração numa Detroit pós-pandemia

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Existem muitos diretores brasileiros com inúmeros filmes prontos atualmente, em uma espécie de engarrafamento de lançamentos. José Eduardo Belmonte é um deles, que nesse momento trabalha em um novo filme (Justino) enquanto tem três filmes já finalizados, um deles estreia esse fim de semana, Quase Deserto. Dos três, talvez esse seja o de contexto político mais atual, um filme de profunda urgência que se traveste dos mais caros códigos do cinema policial tradicional, sem perder o olhar para a contemporaneidade. O cineasta nunca perdeu o viés que transmutou sua obra desde a gênese, uma filmografia em constante transformação que mostra aqui o retorno a um cinema mais particular, menos abrangente, ainda que esteja em comunicação direta com o nosso tempo. 

É um olhar sobre a imigração e o horror ao seu redor no sentido mais perigoso, que acaba por chamar atenção a coragem da produção em se colocar nesse lugar da ameaça. De alguma maneira, o filme está contando sobre como essa não é uma aventura positivada pela narrativa, e o que acaba implicando aos personagens (e principalmente fora da obra) é o sentido de medo constante, onde a qualquer hora você pode perder tudo. A experiência de Belmonte o levou a buscar esse projeto internacional do qual ele realiza uma espécie de mimese de tudo o que temos acesso em matéria de reproduzir espaços e estética que já conhecemos. Porque Quase Deserto reflete questões atuais, e que vão além hoje de situar-se (ou não) nos Estados Unidos da América, você pode simplesmente morrer. Só por hoje.

Belmonte divide sua obra em três tomos, para contar o ponto de vista das imagens para três personagens diferentes. Temos uma jovem caçada pelas ruas de uma cidade abandonada, que foi testemunha de um crime e precisa ser protegida. Ela esbarra em dois imigrantes latinos, um jornalista argentino e um brasileiro sem documentos que, em busca de uma nova vida, descobriram que não existe fuga possível quando precisamos salvar a nós mesmos. Aos poucos, o roteiro descobre cada um do trio em cena, a base das suas motivações e cria os laços que os definiram até o momento do encontro em uma Detroit deformada, talvez a capital mundial do abandono. Esse é o palco ideal para Quase Deserto discorrer sobre a ausência de esperança hoje. 

É curioso ver como Belmonte molda a cara da sua obra a um registro mais comercial do cinema exportação produzido na América do Norte, mas não perde valores que estão encerrados em sua filmografia de maneira essencial. Em muitos momentos, o espectador é conduzido ao recorte já aplicado em Se Nada Mais Der Certo, um dos grandes filmes de sua autoria, além de rememorar a narrativa capitular de Alemão, criando unidade para esse título que facilmente poderia ser um ‘bicho raro e estranho’ em suas diferenças. Dos vários autores brasileiros que correram o mundo, Belmonte (ao lado de Walter Salles) talvez tenha sido o componente a não abrir mão de seus códigos particulares na construção de um modelo que poderia tornar seu novo filme mais compreensível a outras paragens. Está tudo aqui. 

Com um trio de protagonistas muito entregues ao que o roteiro propõe, Vinicius de Oliveira e Angela Sarafyan se mostram à vontade com suas composições, muitas vezes até em registro quase documental, mas é Daniel Hendler quem eleva o que vemos e carrega o trio para o alto. Prestes a completar 50 anos, o ator que nos encantou com Esperando o MessiasO Abraço Partido As Leis de Família não perdeu em nada seu vigor. Vivendo um tipo que conhece muito bem a decadência do Estado, Hendler é o resumo corporificado de tudo que Quase Deserto está apto a comentar. Quando a câmera o acompanha, também vemos o aspecto social que a Argentina transmite ao mundo hoje, o peso de consecutivas derrotas e algo solitário no que é representado ali. É um trio muito coeso em suas particularidades, que tem em Hendler um ponto de referência para a elevação. 

O que fica de Quase Deserto não é uma zona panfletária, como se fosse um alerta à necessidade do respeito ao imigrante, mas uma sensação melancólica de falta de pertencimento onde quer que estejamos. Se não estamos na nossa própria pátria (por escolha ou não), esperava-se que o “lar seja o lugar onde o coração está”; com algo de brutal, o filme mostra que muitas pessoas não têm espaço, estejam onde for. O plano final dos créditos celebra a diversidade e a interação entre os povos, talvez contradizendo o que é mostrado durante a projeção, mas aquela alegria cuja verdade contagia soa mais como um sentimento da realização do que do mundo. Esse é exatamente como o filme pinta: árido, hostil e responsável por gatilhos que não nos deixam em paz, nem no cotidiano e nem nos nossos sonhos. A busca pelo outro, pela conexão, pela empatia e pela doação, é que pode fazer surgir um novo e melhorado mundo. 

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