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Thierry Frémaux se debruça sobre a criação do cinema, o tempo e a sociedade

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Thierry Frémaux é o diretor artístico e principal curador do Festival de Cannes há alguns bons punhados de anos, mas ultimamente ele tem se dedicado a uma espécie de autoria cinematográfica diferente. Fascinado pelos feitos e obras dos irmãos Auguste e Louis Lumière, considerados pela maior parte dos historiadores como os Pais do Cinema, ele tem constantemente se debruçado na sua filmografia para elaborar uma espécie de reflexão sobre a criação do cinema, o tempo e a sociedade. Em Lumière! A Aventura Continua, ele retoma suas pesquisas que desembocam na reunião de seu material para construir uma narrativa linear e única a respeito de temas tão específicos quanto universais, mostrando porque tais artistas estavam à frente do seu tempo verdadeiramente. 

Enquanto Auguste só tem 12 créditos de direção, seu irmão Louis tem mais de 150 títulos em sua autoria. Grande parte deles estão no tomo inicial de Frémaux, Lumière! A Aventura Começa, lançado há 10 anos; agora, ele retoma o projeto, ainda como narrador e autor, ao organizar esse grupo de cópias restauradas e unir suas singularidades em esquetes. A partir de tais disposições, o diretor transforma em verbetes tais segmentos para comentar, a partir deles, um recorte de cinema, um outro tanto de recorte de sociedade, além de um tanto de História. O que poderia ser facilmente assimilado de maneira repetitiva, é na verdade um jogo fascinante de observação de um recorte autoral curado por outro, uma retorcida disposição que deixa de comunicar-se como um período para organizar todos. 

Sem arrogância, Frémaux não tenta impor sua visão em cima de obras de mais de 100 anos. O que ele faz é aguçar nossos sentidos, ao perceber e provocar detalhes pouco escondidos em uma vasta rede de imagens, que são reproduzidas com alguma frequência e criam o que iríamos conhecer como assinatura. A linguagem apresentada pelo narrador é acoplada ao que Louis conseguia compreender acerca do mundo que o rodeava, e que é absorvida pelo roteiro igualmente construído por Frémaux. Estava no silêncio com o qual o cineasta encarava tais artifícios da época, tais informações subliminares que Lumière! A Aventura Continua repensa para apresentar um painel atemporal e muitas vezes político, que não se dobrava aos costumes do período.

Iam principalmente além do seu tempo, além do que a arte que criaram poderia dizer; podemos dizer que, sem elaborar muito, os irmão Lumière inventaram outros conceitos, e um deles é o da sobrevivência. Através do que eles elaboraram de reflexão silenciosa, em uma época do cinema sem som e da ausência das molas de marketing que promovem obras hoje, eles pensaram na comunicação que seria aplicada num futuro muito distante deles. O que Frémaux consegue ao fazer sua leitura a partir da compilação de Lumière! A Aventura Continua, é abrir as portas das discussões que estão codificadas em uma obra cheia de relevo como a que vemos aqui, onde se discute desde conceitos básicos de feminismo e justiça, como também pincela o mundo de hoje das mazelas praticadas em qualquer que seja o momento histórico, principalmente a incompreensão entre os seres. 

Como esses filmes estão todos por aí, ao alcance do domínio público, qual seria o motivo para assistir Lumière! A Aventura Continua, ou mesmo para a realização do mesmo? O reflexo dessas obras, dispostas em conjunto, com essa espécie de curadoria e narração de seu pensador, é o que nos conecta à experiência. Ao conversar com o que é apresentado, estamos diante de uma realização que, embora se prestem ao debate posterior, abdicam do mesmo porque sozinho, esse programa apresentado já conta com esse recurso, pela simples união entre eles e posterior narração. Assim sendo, assistir ao longa-metragem ganha um propósito não apenas para esse reencontro, como também para que seus códigos sejam difundidos e que o diálogo a partir deles não se assentem, mas justamente criem fricção junto a outros, de predisposições distintas. 

O que esse ensaio de Frémaux acaba por fazer é nos submergir em mais de 100 pequenos filmes dos seus autores (ou, como já dito, mais precisamente de Louis) para encontrar questões que não envelhecem, e que já estavam no Cinema há mais de um século. São observações – e até algumas recriações contemporâneas – que nos deslocam do hoje para o passado, para encontrar fantasmas perdidos que, vejam só, dialogam conosco através da História. Sem experimentação e da forma mais imersiva possível, Lumière! A Aventura Continua não é um painel audiovisual de experimentação, mas uma seleção consciente de verbetes que ressoam na vida cotidiana pelo espaço-tempo afora, sublinhadas por dois homens que ousaram uma investigação através da imagem pelo nosso comportamento. Com a ousadia de registrar o detalhe, a textura, o mínimo de cada situação e emoção, nos levando a sentir tudo de novo, e nos comunicarmos além da existência. 

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