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BACURAU: Um estranho conto sócio politico

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Depois do sucesso mundial e das polêmicas envolvendo o premiado longa “Aquarius”, todos estavam ansiosos para saber qual seria o trabalho seguinte do diretor Kleber Mendonça Filho, que, cada vez mais, vem se tornando um nome de peso no circuito de festivais, conseguindo o feito de ser aclamado por crítica e público, algo raro no cinema nacional. E, agora, depois de quase três anos de espera, chega aos cinemas o filme “Bacurau”, que chegou, inclusive, à capa da Vanity Fair como uma das produções mais aguardadas do ano. Desta vez, o cineasta pernambucano, em parceria com Juliano Dornelles, traz uma mistura de diversos gêneros para contar a estranha história dos habitantes do pequeno vilarejo que dá nome à obra. Localizado no sertão nordestino, o lugar – que se resume a pouco mais de duas ruas – sofre, principalmente, com a falta de água, controlada pelos poderosos da região, porém, este acaba por se tornar o menor dos problemas, pois, após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, os moradores descobrem que o povoado sumiu dos mapas.

              Além disso, outros acontecimentos estranhos – como a chegada de forasteiros, o aparecimento de drones que passam a circular pela região, carros alvejados com tiros e estranhas mortes em sequência -, demonstram que Bacurau está sob ataque, fazendo com que os moradores tenham que se unir para formar uma defesa, o que já deixa claro uma das principais características da produção: aqui, não há um único protagonista, um herói ou heroína, apesar de alguns personagens terem destaque, o protagonismo cabe ao próprio povoado, como um todo. Por isso, o espectador médio pode estranhar o começo do longa, que possui uma aura mais contemplativa e se dedica a apresentar as personagens e suas funções – o professor, a médica, o guerrilheiro, etc. -, tecendo comentários sociopolíticos – responsável também pelo humor – e trabalhando muito bem o regionalismo. Esta decisão é certeira, pois não demora muito para que o próprio vilarejo se torne uma personagem, o que se faz necessário para o desenvolvimento do terceiro ato.

              Aliás, é importante destacar que, apesar de não seguir o padrão das outras obras de Kleber Mendonça Filho – sempre divididas em três capítulos -, a estrutura narrativa é muito bem marcada. O primeira ato apresenta as personagens, misturando realismo e uma indicação de suspense – comum na filmografia do diretor; no segundo a trama se muda de rumo, conseguindo atingir outros gêneros, tornando-se quase uma paródia dos filmes B estadunidenses, sem deixar a crítica social de lado. E, no terceiro ato, o longa sofre mais uma mutação – a fim de unir os dois estilos de narrativa propostos anteriormente, fazendo deste o melhor segmento da produção. Apesar de ser definido pelos seus realizadores como um “western futurista sertanejo”, não é bem assim, o filme vai além disso e tem uma identidade muito própria para se encaixar em categorias tão específicas, além de propor um ponto de vista diferente. Nesta parte final, os diretores parecem estar mais descontraídos, o que agrega muito valor devido ao nível de violência proposto.

              O que leva a outro ponto importante: como, neste terceiro ato, Mendonça e Dornelles não demonstram qualquer medo de serem explicitamente violentos – sem spoilers, mas há cabeças explodindo e membros mutilados, apenas para citar -, era necessário que o longa apresentasse bons efeitos e, felizmente, ele consegue – e sem perder o realismo. Aliás, nos aspectos técnicos, o filme se sai muito bem – talvez, à exceção de uma rápida cena em que o CGI ficou muito evidente -, contribuindo para construir toda a aura estranha que a produção deseja. Desta forma, o filme trabalha com saturação, superexposição e contrastes, além das transições pouco usuais e que fogem do “requinte” de “Aquarius”, por exemplo, o que, mesmo causando estranhamento, ajuda o longa a se destacar – não à toa, desde a sua estreia, no Festival de Cannes, onde levou o Prêmio do Júri, “Bacurau” vem acumulando prêmios e já é apontado como um dos melhores, ou até mesmo o melhor, filme brasileiro do ano -, pois mesmo sendo incomum, a maneira como tudo foi feito demonstra um forte identidade, tanto cinematográfica quanto regional.

              E, é claro, sendo o povoado a personagem principal, é necessária a presença de um elenco forte e, aqui, não há uma única atuação fraca – até as interpretações mais caricatas do núcleo estrangeiro são boas. Os nomes que mais se destacam são as musas de “Aquarius” Bárbara Colen e Sonia Braga – a primeira interpreta Teresa, que retorna ao vilarejo para o enterro de sua avó, Carmelita, e a segunda dá vida à médica Domingas, um papel forte que chama atenção logo nas primeiras cenas e é uma excelente resposta aos que ainda insistem em chamar Braga de “uma atriz medíocre” -, Thomas Aquino como o ex-criminoso Acácio – uma das personagens mais carismáticas do filme -, Wilson Rabelo interpretando o professor Plínio, Karine Teles com uma forasteira de caráter dúbio, Udo Kier na pele de Michael, o principal antagonista, e Silvero Pereira no papel de Lunga, uma espécie de Robin Hood sanguinário – uma atuação poderosa que rouba a cena durante todo o terceiro ato.

              Assim, “Bacurau” é um filme que não tem medo de não facilitar a vida do público geral, optando por iniciar a trama com seu próprio ritmo, levando quase uma hora para começar a apresentar respostas e misturando e quebrando convenções de diversos gêneros – como drama, ficção científica, terror gore, faroeste e fantasia, além de todas as simbologias – os alucinógenos, os caixões, a abertura no espaço ao som de “Não Identificado”, na voz de Gal Costa, o sumiço metafórico e concreto do povoado, as execuções públicas em São Paulo noticiadas na TV – e dos comentários e críticas sociais – que vão desde o brasileiro branco do Sul e Sudeste que se identifica mais com estadunidenses e europeus do que com outros brasileiros, passando pela arrogância colonial dos estrangeiros, até o letreiro no fim dos créditos que informa sobre a geração de cerca de 800 empregos durante a realização do longa. Por isso, vale a pena esperar e acompanhar o sinuoso caminho que o roteiro faz até mostrar a que ponto pretende chegar, encerrando seu enredo como um embate “Nós X Eles” do ponto de vista do povo colonizado, sendo, dessa forma, um estranho conto sociopolítico sobre a rebelião da colônia, utilizando um rico microcosmos para tratar do Brasil atual, ou seja, mais um belo expoente do Novo Cinema Pernambucano – o qual, atualmente, pode ser considerado o melhor do país.

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