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Saindo da zona de conforto como O menino que descobriu o vento

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Por Tatiane Alves

Exibido, primeiramente, no Sundance Festival o filme O menino que descobriu o vento  estreou em março deste ano, na plataforma de streaming. Baseado no livro de mesmo nome, o drama conta com a direção, roteiro e atuação de Chiwetel Ejiofor. Quem aí, não se lembra do ator no filme 12 anos de escravidão, onde ele interpretou o Solomon Northup e fez todo mundo se debulhar em lágrimas ancestrais no cinema? Agora, ele estreia como diretor nessa belíssima produção digna de prêmios.

O longa-metragem traz a história real de William Kamkwaba. Filho de fazendeiros na pequena aldeia de Wimbe, no Malauí, país localizado na parte oriental do continente africano, William (interpretado por Maxwell Simba) sofre os impactos gerados pelas chuvas torrenciais e pela forte seca na região onde mora e, consequentemente, é impedido de frequentar a escola. Entre a escassez de recursos financeiros, a fome e o caos civil, o menino encontra um jeito de continuar frequentando a escola, permanece estudando às escondidas e impelido a tirar sua aldeia daquela situação, acha uma solução criativa para o problema.

Pois é, como diz na canção “o poeta está vivo”, de Frejat, William de apenas 13 anos, amanheceu o pensamento e mudou o mundo com seus moinhos de vento. Moinhos de vento. Ele, simplesmente, usou um motor movido à energia eólica para bombear e gerar água suficiente para espantar a seca da região e garantir o plantio e a colheita. Ainda dentro do enredo está os conflitos familiares, as tradições ancestrais locais e a ação política dos governos e a relação de amizade com seus dois amigos que são um menino da aldeia e um cão. Em alguns momentos, a visão que temos da história se dá pela ótica do menino, o que é lindo. Ele perpassa toda a trama envolta numa preocupação que não é infantil, mas ainda sim, consegue expressar esse lado com maestria.

O menino que descobriu o vento nos tira da zona de conforto. Não é um filme para quem quer entretenimento. Para todos aqueles que estão no conforto de sua casa, mantém seus filhos na escola e consegue ter a geladeira sempre cheia, o filme é um verdadeiro soco no estômago. Em alguns momentos, é capaz de despertar nas pessoas mais sensíveis lágrimas profundas porque nos lembra de que existe um mundo enorme fora da nossa bolha, do nosso mundinho. Enquanto assistia imagens do continente africano que mantém, assustadoramente, sua beleza e imponência; é impossível não se perguntar sobre a uma questão básica da vida humana: a luta pela sobrevivência. Do que podemos fazer quando só temos muito pouco. Da sabedoria que provém de muita dor.

É na relação entre um pai fazendeiro e um filho que, minimamente, teve acesso aos estudos que o filme apresenta o poder transformador da educação. É lindo ver como ele rompe a tradição de lavrar o solo através da tecnologia. Ainda que muito simples, é inspirador. No fim do filme, é possível ver a trajetória acadêmica de sucesso de William.
Voltando ao falar do filme em si, sua fotografia é linda. O roteiro é adaptado, como não li o livro não tenho como dizer se é fiel ao que está escrito lá, no entanto, a trajetória do personagem é movida pela vontade consciente de mudar a realidade local. E aí, é impossível não fazer uma analogia. Quantas crianças na nossa cidade não poderiam ter suas vidas transformadas se tivessem acesso à educação de qualidade? Quantos jovens não poderiam elevar o Brasil se em suas mãos tivessem livros e não armas de fogo? Ao abordar a crise política, conflitos civis e tradições locais, o filme me levou para outras reflexões. Em algum ponto desse caos generalizado que vivemos quem são as pessoas que nós elegemos para nos representar? Não são eles os responsáveis pela manutenção do caos? Qual é o preço que todos nós pagamos? No filme, o governo ignora a seca e a fome que assola os vilarejos. E nós, acaso não temos representantes que ignoram a violência urbana que, diariamente, nos assusta? O que faremos? Sucumbiremos frente ao medo ou como William, vamos pensar numa solução? O que é possível fazer tendo tão poucos recursos em nossas mãos?

O filme é inspirador. Um dos melhores filmes que eu vi nos últimos tempos. E olha que eu relutei. Demorei bastante tempo para vê-lo.

Foto: divulgação Netflix

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