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Do teatro para a TV: Conheça Gabriel Sanches, a Rúbia da novela “Pega Pega”

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Gabriel SanchesGabriel Sanches chegou, chegando em “Pega Pega”.  No ar, na novela das 19h como a autentica Rúbia, que lacra por onde passa com seu jeito totalmente espevitado e engraçado. Gabriel conta que a personagem traz uma reviravolta para a trama: “Ela tem uma relação profissional secreta com um dos funcionários do Hotel Carioca Palace – aonde acontece a trama principal da novela – e que vai causar bastante curiosidade e confusão. Ela é cheia de tiradas e sacadas, mas muito amiga também, companheira e fiel. Vai ter bastante mistério em torno dela, isso eu posso dizer. A Luiza (Camila Queiroz) vai ser uma grande amiga e pode ser que surja um romance com um outro personagem. Ainda não posso adiantar nada! Tem que assistir”.  Confira a entrevista com o ator.

Qual é a importância de interpretar uma drag queen na televisão na sua carreira? E para o movimento LGBT?
Gabriel Sanches – Estou respondendo muito a essas perguntas nos últimos tempos e isso tem me feito pensar ainda mais sobre a importância desse momento que estou vivendo, que estamos todos vivendo. Por um lado, somos um país em diversidade, formado por diferentes culturas originárias, diferentes influências, um povo miscigenado, reflexo de uma história de encontros, de misturas, de muita diversidade, mas também e, principalmente, de adversidades, de dominação e imposição. Ou seja, por outro lado, herdamos esse péssimo costume de oprimir as minorias, os diferentes. Não somos inclusivos em nossa diversidade. Foi-nos imposta a hierarquia social europeia do homem, branco, rico, heterossexual e todos os diferentes disso vão sendo rebaixados numa pirâmide de opressão e exclusão. Atualmente então a situação, ao meu ver, é escancarada. Estamos no auge de uma crise política e moral! Temos uma máquina política, social e econômica extremamente corrupta, machista, racista e heteronormativa. Mas as reações populares e revoltas dos grupos ficam cada vez mais visíveis e ganham espaços antes negados. Digo isso pela agilidade, flexibilidade e amplitude do mundo digital, um espaço em que todos encontram lugar de fala. Óbvio que como todos ganham lugar de fala e possibilidade de repercussão e visibilidade, também vemos por aí serem deflagrados discursos de ódio. O que é duro, mas é a realidade. E temos que lidar com ela. Lutar, seguir e persistir com o movimento que criamos para a mudança. Agora a crise não é facilmente manipulável pelos grandes poderes, pelas grandes empresas e corporações. Mas a crise se intensifica porque acontece uma polarização, as pessoas em geral se recusam ao diálogo, à possibilidade de empatia. Ainda temos pouca educação e muito patriarcalismo. Temos um povo lindo, um povo sedento por alegrias, por beleza, por amor. Não somos um povo do frio, da segregação. Precisamos olhar mais para nossa terra, nossas línguas nativas, nossas riquezas. Falo tudo isso porque acredito na minha drag, a Sara, eu digo, como uma força de mudança, como um instrumento de emancipação do diferente, do excluído, da minoria. Fui chamado para fazer a novela por causa dessa minha personagem, ou seja, porque essa força comove, essa força traz mudança. Assim, estar como uma drag queen na televisão é criar espaço na intimidade das pessoas – pois assim é a televisão, uma íntima na nossa casa, ligada às vezes 24hs por dia – para um despertar da consciência. A drag queen ali na sua televisão faz você ter que olhar, ouvir e encarar a realidade, não a realidade que criamos individualmente, mas a realidade que se cria por todos nós, num coletivo humano.

Pega pegaComo foi o seu processo de construção da personagem?
Gabriel Sanches – Eu faço a Sara muito antes de começar o trabalho como Rúbia na novela. Venho criando a Sara desde que nasci provavelmente. Cada um de nós nasce com a expressão em potencial, ou melhor, como potencialidade. Mas vamos crescendo e aprendendo a nos moldar aos conceitos, às determinações sociais. Homem é azul, mulher é rosa. Homem é carrinho e bola, mulher é boneca e casinha. E por aí vai. Eu nunca fui um homem azul, bola e carrinho, sempre fui rosa, boneca e casinha. Gostei de bola, de carrinho e de azul também, mas nunca quis me restringir. No meu processo de elaboração artística e atoral, aprendi a observar mais atentamente, a ouvir mais, estar mais alerta e menos compulsivo nas ações. Impulsivo sempre, mas não compulsivo. Os impulsos são genuínos, há de se atentar a eles. A Sara aconteceu a primeira vez há quatro anos e desde então ela vem se aprimorando em vários aspectos, por exemplo na maquiagem. Atualmente faço um trabalho de composição e pintura no meu rosto muito mais sofisticado que o de antes, naturalmente. A dedicação traz evolução. No caso da Rúbia, personagem de Pega Pega, além das conversas com diretores e preparadores de elenco, que foram muito importantes, a definição veio com o encontro com os outros personagens da novela e principalmente com os textos que vão surgindo. Numa novela, o personagem vai se construindo no decorrer das gravações. No teatro e no cinema, ensaiamos muito, experimentamos as cenas de várias formas muitas vezes até encontram o caminho do que vamos fazer. Na televisão, não temos esse tempo. O que fazemos é: descobrimos um apontamento e seguimos um dia de cada vez. É linda essa ideia também, de ir descobrindo enquanto se está fazendo. É como a vida, né?

Pega pega 2A forma como os personagens são retratados em novelas e filmes ainda é muito estereotipado. Em “Pega Pega” será diferente? O trabalho da mídia ainda pode ser visto como tendencioso?
Gabriel Sanches – Acho perigoso generalizar o trabalho do ator, do palhaço, das drags, do artista que for. Dizer que os personagens são estereotipados depende de muita coisa. Talvez, muitas vezes, o que falte para algumas pessoas é o comprometimento com a questão trabalhada num determinado personagem. Seja fazendo um vilão cheio de maneirismos ou atitudes agressivas, seja fazendo uma mocinha “boazinha” e “sem sal”, há de se comprometer com a história que vai ser contada, com a existência daquele personagem. Isso precisa ser maior que a vaidade do artista em fazer um bom papel, um bom personagem. Se você se compromete com o trabalho, é difícil cair no estereótipo, no desrespeito. Claro que é muito importante esse comprometimento de todos envolvidos!

É preciso muita paciência e clarividência para fugir das comodidades e facilidades. Em “Pega Pega”, não estou fazendo um trabalho solo, estou compartilhando com muitas pessoas, direção, equipe de arte, caracterização, figurino, equipe técnica, etc. São muitos profissionais envolvidos e não tenho autonomia total. Isso é maravilhoso porque há sempre espaço para o crescimento quando estamos em diálogo. Na nossa equipe conseguimos conquistar um espaço de diálogo e estamos criando um trabalho nosso, diferente e surpreendente.

Seu trabalho é totalmente voltado para o movimento LGBT, em algum momento você teve dificuldades para construir seus personagens?
Gabriel Sanches – Eu amo a diversidade de gênero e sexual, sou parte dela. Aliás, todos nós somos, falta cair a ficha de algumas pessoas! E não estou falando sobre homem, mulher, hétero ou homossexual, estou falando de diversidade, com todas as possibilidades do spectrum. Somos muita coisa, gente! E meu trabalho nunca foi restrito a um grupo, movimento ou gueto. Aliás, pelo contrário, iniciei o trabalho com a dupla Sara e Nina juntamente com o Alessandro Brandão num reduto de samba, no Semente. A primeira vez que nos apresentamos juntos foi nessa casa de samba, na Lapa, e lá fizemos temporada por seis meses. Poucas vezes nos apresentamos em casas ou eventos de algum movimento específico. Justamente porque nosso trabalho não é restritivo ou de exclusão, nosso trabalho é de força e representatividade! Podemos sim representar movimentos ou grupos e justamente por isso, pelo nosso engajamento social, que não temos interesse em nos fecharmos a um público específico. Fomos do Semente para o Congresso Nacional, passando pelo Buraco da Lacraia, Mama Shelter, Teatro Café Pequeno, Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e tantos outros lugares diferentes. O trabalho do ator não é se restringir, mas sim ampliar. Eu não faço um trabalho de exclusão, volto a repetir, faço um trabalho de assimilação e inclusão. As dificuldades que posso encontrar são dificuldades inúmeras que todos nós podemos encontrar e aprendi no meu percurso a olhar com muito mais atenção e paixão às dificuldades. As dificuldades nos apontam caminhos maravilhosos para nossos personagens, é preciso atenção a elas.

Gabriel Sanches 2A transexualidade é encarada pela sociedade ainda com muita dificuldade, o movimento LGBT cada vez mais é um símbolo contra a opressão e a catequização. Até quando precisaremos lutar para impor algo que é tão natural? Você acredita que a religião, seja ela qual for, atrapalhe nessa jornada?
Gabriel Sanches – A religiosidade é algo lindo. A palavra religião vem do latim religare e carrega ainda hoje o sentido original de conexão, ligação, isso é, uma outra forma de conexão, algo menos ordinários e mais específico. Esse conceito é belíssimo e não tem nada a ver com opressão, imposição, restrição, doutrina. Tem a ver com o divino, com um estado de apaziguamento da razão exacerbada – que aprendemos a ter – e maior conexão do nosso corpo com ele mesmo, em todas as suas partes, com a natureza e com o outro. A religião deveria ser um espaço de amor, respeito e aceitação. Mas a instituição religiosa pode ser um problema quando serve de instrumento para a manipulação. Não sei até quando será uma luta para criar uma vida de inclusão e respeito, nem sei se isso é apenas utópico, mas certamente eu estou nesse movimento de luta. Entretanto, não acredito em imposição, não luto para impor algo que seja natural, luto pelo direito de existir e viver das pessoas.

Como a temática será abordada no filme Berenice Procura?
Gabriel Sanches – O Filme Berenice Procura contou com muita colaboração representativa, essa é uma das coisas mais relevantes. Tivemos uma equipe muito bonita em relação à diversidade de gênero e sexual e muito trabalho juntos. A preparação do filme durou um mês. Passamos 1 mês convivendo intensamente, fazendo exercícios, improvisando, trocando experiências, dialogando. O roteiro acabou recebendo muitos tratamentos em decorrência disso, virou um novo filme, muitas cenas entraram, muitas transformações foram feitas que o diferenciaram da primeira adaptação do livro. Ainda não vi o resultado, mas estou muito curioso! A questão de gênero, especificamente a questão trans, será abordada no filme por muitos vieses, são muitos personagens se relacionando com a questão de diferentes formas. Isso é o melhor, pois traz o assunto para o debate. Não podemos temer o diálogo.

A sua formação artística é extensa, como você vê o mercado hoje com a existência de fama fácil através de reality shows e modelos que se tornam artistas do dia para noite?
Gabriel Sanches – Acredito que tem espaço pra todos, são duas profissões diferentes, a do artista e a da celebridade. A manutenção da fama é algo muito específico, assim como a arte. É importante termos cuidado em tratar o tema e sempre muito respeito com o trabalho de todos.

ninaPara encerrar, a montagem de ‘Minhas Mulheres Tristes’ é feita para todas as faixas etárias, falando de aceitação social e diversidade, qual é a importância dele culturalmente? É um espetáculo que pode ser apresentado dentro de escolas?
Gabriel Sanches – O “Minhas Mulheres Tristes” está em sua versão “em Trânsito” gostamos de dizer, pois justamente estamos fazendo um tour com ele antes de pararmos para uma temporada em teatro. Queremos circular em escolas, em praças, em garagens, em lugares onde possamos trocar a experiência do espetáculo com a maior diversidade de público possível. É um espetáculo para a família, para mães, pais, crianças, adolescentes, adultos, todos. Revisitamos músicas brasileiras de outras épocas, cantamos as mulheres do começo do século passado que foram desbravadoras, tiveram coragem, se expressaram sem medo. É muito importante lembrar que é de muito tempo que estamos lutando por respeito e igualdade de oportunidade. É muito importante lembrar que o mundo não é de homens, brancos, ricos e heterossexuais. O mundo é todos nós.

Fotos: Luca Ayres e Nelson Faria

Alê Shcolnik
Alê Shcolnikhttps://www.rotacult.com.br
Editora de conteúdo e fundadora do site, jornalista, publicitária, fotografa e crítica de cinema (membro da ACCRJ - Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro). Amante das Artes, aprendiz na arte de expor a vida como ela é. Cultura e tattoos nunca são demais!

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