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Vladimir Brichta fala sobre representatividade do palhaço na vida do ator

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Uma das produções mais esperadas do ano, “Bingo – O Rei das manhãs”, filme inspirado na vida de Arlindo Barreto, ex-intérprete do palhaço Bozo, enfim chegou as telas do cinemas. A história frenética ao mesmo tempo que nostálgica sobre a carreira do palhaço, ganha vida na pele do ator Vladimir Brichta.

Qual foi a maior dificuldade em levar as telas um personagem tão querido do público e tão controverso? Podemos dizer que Bingo é um personagem paradoxal?

Vladimir Brichta – A maior dificuldade em levar esse personagem para as telas foi conseguir dar conta dessa dimensão que ele tem. É um personagem múltiplo. Ele é um ator. Ele tem questões que são de qualquer um, como ser pai, de ser filho, mas ele também é ator, também tem essa profissão e nessa de ser ator, ele se desdobra em outros personagens. Depois ele acaba fazendo um palhaço, com as inquietações que o trabalho de ator lhe provoca e a construção desse personagem, a identidade que ele vai criando nesse personagem. Ele é múltiplo, um personagem que tem uma euforia muito grande, uma alegria, uma conquista e posteriormente, uma derrocada muito violenta. São muitos elementos distintos: tem o elemento trágico, tem o elemento cômico. Tudo isso está presente nesse personagem e dar conta de tantos elementos distintos, que pra mim é a grande dificuldade, que no final das contas, vai carregar no filme inteiro e pra isso ele também precisa ser simpático aos olhos do expectador. Por mais que ele cometa excessos, que ele cometa grandes erros, mas ele tem que ser simpático aos olhos de quem está assistindo e achar essa medida foi exercício delicado e difícil.

O Bingo, o Augusto é um personagem paradoxal, sim. Acho que toda obra, que retrata o ser humano e que ela é ampla e que pretende ter uma profundidade, vai mostrar os paradoxos, que são você almejar muito determinada coisa e aquilo também ser sua derrocada. É você lidar com grandes alegrias e grandes frustrações. Eu acho que a gente carrega inúmeros paradoxos e o personagem não é diferente. É um homem, que almeja um sucesso tremendo e quando isso acontece tem uma máscara que o impede de aproveitar esse sucesso da forma como ele imaginava que seria.

Como foi o seu processo de construção do personagem? 

Vladimir Brichta – O processo de construção desse personagem, acho que começou, quando eu me entendi como artista, como ator, já há muito tempo. Eu tenho a sensação, às vezes, de que tudo o que o eu vivi, tudo o que eu produzi no meu trabalho, no meu ofício de alguma forma foi para me levar a defender esse personagem. O que eu quero dizer com isso é que fiz uma preparação longa. Foi um mês muito intenso em que eu trabalhei com um preparador, trabalhei com o elenco para entender as relações daqueles indivíduos todos e paralelo a isso fiz uma preparação com o Fernando Sampaio, que é um palhaço da companhia Lamínima, parceiro do Domingo Montagner da vida inteira, e ele me ajudou na história do palhaço. Ele me encorajou a admitir que eu era um palhaço e me deu a oportunidade de entrar em um circo para me apresentar. Mas quando eu falo que a preparação veio durante toda a minha carreira é porque, ainda que eu não soubesse como fazer aquele filme, eu sabia, quando li o roteiro, que eu tinha as ferramentas para dar conta desse filme, porque eu já havia experimentado elementos, locais, experiências pelos quais meu personagem atravessaria, inclusive com o próprio palhaço, que eu já havia flertado com essa figura. A preparação foi muito longa, mas também foi de buscar em mim o que era comum também àquele personagem. Pelo fato dele ser um ator, eu sabia que estaria falando um pouco de mim também, em alguma medida.

O Arlindo Barreto te ajudou com os trejeitos? Como foi o trabalho de pesquisa?

Vladimir Brichta – O meu contato com o Arlindo pessoalmente só se deu depois de algumas semanas de filmagem. Mas eu assisti à uma entrevista de quase quatro horas e meiam, que ele deu para o roteirista Luiz Bolognesi, para o diretor Daniel Rezende, para o produtor Dan Klabin e Caio Gullane. Tinha uma equipe, que o entrevistou longamente para construir o roteiro. Eu assisti à essa entrevista, fiquei muito atento muito mais a forma entusiasmada como ele contava do que nas histórias propriamente ditas. Eu me apeguei a algumas características dele como o entusiasmo, ele é um homem acelerado, ele é um homem intenso. Eu acho que isso era interessante, mas eu não persegui nenhum trejeito dele, depois eu soube que existem semelhanças e inconscientemente pode estar em algum lugar guardado, mas eu não persegui trejeito nenhum. Achei que eu deveria criar o meu, mas ao tentar pegar a energia como aquele homem se expressa, de alguma forma isso nos tenha aproximado.

Desconstruir foi difícil?

Vladimir Brichta – Quando sou perguntado sobre desconstruir, imagino que seja sobre abrir mão de elementos, de muletas, de formas de expressão que já são minhas habituais. É um exercício que me proponho a fazer sempre que começo um trabalho. Eu sempre acho que estou partindo do zero e que eu preciso criar. Às vezes é mais difícil, às vezes é mais fácil, às vezes eu consigo me libertar mais de coisas que a princípio são minhas de expressão como ator. Mas esse personagem, eu precisava me entregar de uma forma muito honesta, mas também reconhecer as semelhanças que a gente tem. É um ator, que tem as ambições dele. Ele é um palhaço também com uma irreverência. São coisas em que eu posso me reconhecer ou ter empatia pela dor que esse indivíduo sente em não ter reconhecimento no trabalho dele. Eu tenho carinho por essa figura, que sofre por isso. No lugar dele, possivelmente, eu também sofreria com o anonimato absoluto. É desconstruir a mim, mas ao mesmo tempo também encurtar alguns percursos e reconhecer o que está naquele indivíduo escrito, mas que na verdade está em mim também e fazer uso disso.

Carga dramática Vs. Narrativa. Como equilibrar?

Vladimir Brichta – É um personagem com uma carga dramática muito grande mesmo, mas apesar de ser uma figura trágica, ele também é uma figura muito cômica. Eu acho que ele tem muito do trágico e do cômico e tudo em alta voltagem, então eu acho que eu precisava entender, que esses dois elementos habitavam da mesma forma aquele indivíduo e que a voltagem era muito alta sempre. Acho que isso compõe também a narrativa do filme.

Qual é a representatividade do palhaço na vida do ator?

Vladimir Brichta – Acho que na vida de um ator, o palhaço não necessariamente precisa ocupar um espaço, precisa ser uma ferramenta, precisa ser uma identidade, acho que tem palhaço que é só palhaço e tem ator que não é palhaço. São formas diferentes de expressão. Eventualmente, isso pode ser encontrado no mesmo artista. Eu tenho uma admiração enorme pelo palhaço e por atores, que também são palhaços e que conseguem ser palhaços, mesmo que não levem a vida enquanto palhaço. Acho que abre um canal muito grande. Dizem que todo mundo tem um palhaço dentro de si, mas isso já é um elemento de pesquisa do clown, que foi uma coisa que eu não me profundei e eu não tenho tanto domínio, mas acho que é possível todo ator ter um palhaço dentro de si, mas isso não precisa ser trabalhado se não for do interesse do ator. Acho que o palhaço é mais do que um gênero, ele serve ao gênero comédia e tem atores, que não tem interesse por esse gênero e isso não é problema nenhum. A mim, particularmente, causa um encantamento e me interessa muito. Quanto mais plural melhor. A origem disso é a tragédia e a comédia, que são elementos que se conversam muito. Acho que na origem são irmãos.

Como foi o convite para participar do filme? Deu para improvisar em cena?

Vladimir Brichta – O convite surgiu através do Daniel Rezende, que me telefonou e disse que queria conversar comigo sobre o filme, mas eu já sabia da existência do filme, porque o Wagner Moura já tinha comentado comigo de um roteiro incrível, que ele tinha lido, mas que não poderia fazer e me dizendo inclusive que eu poderia fazer o filme e que eu deveria tentar fazer o filme, porque era muito bom. Então, quando surgiu o convite, eu já estava topando mesmo antes de ler. Eu já estava interessado. Já me interessava não só pelo roteiro, mas também pelas pessoas envolvidas também, pelo feedback que eu tinha de Wagner. Porém não foi fácil. Como era um projeto grande, envolvia muita gente também. Houve uma discussão a gente levou um certo tempo até firmar que seria eu, que estaria no filme. Eu também tive que abrir mão de um trabalho importante na televisão e tivemos que negociar com os dois lados, o interesse do filme e de todas as pessoas por trás, o meu interesse e também as minhas obrigações contratuais com a televisão.

O convite surgiu e me deixou feliz da vida, mas eu tive que driblar algumas dificuldades. Eu fiquei felicíssimo, eu sabia que ali era uma coisa que eu poderia fazer de uma forma bacana, eu achava que ali tinha um potencial de ser algo grande e impactante.

Eu não improvisei muito em cena não, mas um pouco sim, porque havia um pedido do Daniel para criar algumas situações, que ele ia pegar alguns fleches, como o palhaço brincando com as crianças. Tem sempre um lugar, que cabe o improviso por mais que a gente ensaie. Por exemplo, o Bingo com as crianças, a forma de fazer aquilo, eu tinha que estar aberto a como as crianças iriam reagir e a partir dali fazer, então tem uma certa dose de improviso naqueles trabalhos, uma fala a mais que entra, que a gente acaba colocando, mas o improviso é muito mais interno, de permitir que aquilo te bata na hora da cena de um jeito inesperado, que não foi ensaiado. Acho que isso muito mais do que mudar uma marcação, mudar um texto, por exemplo. Mas teve espaço para a criação sem dúvida alguma. O Daniel é um diretor que ao mesmo tempo que ele tem um domínio grande sobre tudo ao seu redor, ele também permite e estimula que as coisas surjam e sejam criadas na hora. Acho que o filme se vale muito bem disso.

Bingo é o primeiro filme dirigido por Daniel Rezende, como foi a relação no set?

Vladimir Brichta – Apesar de ser o primeiro filme longa-metragem, dirigido pelo Daniel, ele já é um diretor e um artista de cinema muito experiente, tem uma larga experiência. Não preciso nem listar tudo o que ele já fez mundo a fora, os prêmios que ganhou, mas fiquei encantado com a condução dele. Ele é um diretor excepcional por ter o domínio de tudo, por compreender e dominar uma linguagem pop, que ele pretendia para esse filme e me surpreendeu, principalmente, a intimidade que ele consegue ter com o ator. Vindo de sala de montagem, o ator não o intimida de forma alguma, ele tem uma admiração tremenda pelo ator e uma intimidade muito grande, um olhar muito aguçado com o ator. A preocupação dele com os mínimos detalhes me surpreendeu bastante. Alguém, que mesmo não tendo crescido próximo ao ator, ter se formado próximo a imagem do ator, mas não corpo a corpo, presente, mas ainda assim ele consegue um trabalho de uma intimidade, de um diálogo muito íntimo e precioso com o ator. Isso me saltou aos olhos e meu vejo isso como um grande trunfo do filme e um grande mérito dele como diretor.

Qual a importância de ‘Bingo” na sua carreira?

Vladimir Brichta – Acho que é difícil mensurar agora a importância desse personagem, do Bingo, na minha carreira, porque o filme está agora chegando ao cinema. Eu digo isso, porque o impacto sobre a nossa carreira não só sobre o que fazemos, mas como isso chega ao público. Nosso trabalho só se completa quando ele começa a se comunicar e eu ainda não tenho a real dimensão dessa comunicação. Estamos colhendo críticas incríveis, absolutamente favoráveis ao filme, ao meu trabalho, mas ainda não dá para ter uma noção clara do tamanho que isso vai ter de fato para o público, mas certamente é o personagem mais importante que eu fiz no cinema, pela complexidade do personagem e até pelo desdobramento que esse filme já teve até esse momento. Acaba sendo um marco sim na minha carreira.

Alê Shcolnik
Alê Shcolnikhttps://www.rotacult.com.br
Editora de conteúdo e fundadora do site, jornalista, publicitária, fotografa e crítica de cinema (membro da ACCRJ - Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro). Amante das Artes, aprendiz na arte de expor a vida como ela é. Cultura e tattoos nunca são demais!

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