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“CARTAS PARA UM LADRÃO DE LIVROS”: DA IDOLATRIA À CRIMINALIDADE

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Em um país que, volta e meia, é exposto no noticiário mundial como uma terra afundada no mar de lama da corrupção com taxas de violência cada vez maiores, é curioso descobrir que um dos criminosos mais procurados da nação nunca sequer empunhou uma arma. Ele não é assaltante, traficante ou uma personalidade do alto escalão sócio-político cuja vida é sustentada por crimes do colarinho branco. Laérsio Rodrigues de Oliveira é apenas um ex-ajudante de pizzaiolo de São Bernardo do Campo (SP) que, a partir de seu fascínio por Carmen Miranda, se tornou o maior ladrão de obras de arte do Brasil – sua especialidade (e obsessão) eram livros e documentos históricos.

Tudo começou quando homem, homossexual assumido, conheceu o trabalho da cantora e atriz luso-brasileira e se tornou fã incondicional, passando a colecionar todos os itens possíveis sobre a artista – revistas raras das quais foi assunto, pôsteres de filmes, encartes, absolutamente tudo. Quando descobriu que existem materiais sobre Carmen em instituições e bibliotecas públicas, Laércio passou a furtar estas peças. À princípio, os produtos dos furtos eram apenas para sua coleção particular, mas, com o tempo, o agora criminoso desenvolveu uma compulsão por papéis com valor histórico, como páginas e ilustrações de livros escritos na época da colonização.

A partir disso, o abdutor percebeu que todos aqueles itens raros não eram valiosos apenas para ele, mas muita gente – principalmente na alta sociedade – pagaria o valor que se pedisse por eles. Assim, por meio de roubos cada vez mais ousados e leilões clandestinos, Laérsio se tornou o maior ladrão de livros da História brasileira, alcançando um padrão de vida que jamais alcançaria caso seguisse por caminhos menos escusos. Porém, ao mesmo tempo em que ascende na carreira, suas ações estampam os jornais paulistas com cada vez mais frequência, dando começo a uma verdadeira caçada pela Polícia Federal.

Este é o panorama inicial traçado pelo documentário Cartas para um Ladrão de Livros, de Carlos Juliano Barros e Caio Cavechini, que, após fazer parte da seleção oficial da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e concorrer na Mostra Competitiva de Documentários da edição 2017 do Festival do Rio, chega ao circuito comercial no dia 1 de março. Trazendo como objeto de estudo um personagem intrinsecamente provocador, o longa-metragem sofreu inúmeras crítica durante sua produção; as acusações eram sempre acerca de uma possível glamorização dos atos de um criminoso – alegações que são negadas pelos diretores no próprio filme.

E, de fato, não há nenhum enaltecimento dos feitos do homem – na verdade, as lentes de Caio e Carlos (que tem uma interação maior com a personagem no vídeo) observam Laérsio com estranheza, como estudantes que analisam um espécime desconhecido em um balcão de laboratório; eles tentam entender o ser por trás das notícias para saber o que falar sobre ele, o que não é uma tarefa fácil. O criminoso é uma persona dúbia, que faz com que o espectador mude de opinião diversas vezes ao longo do filme, uma vez que, coexistindo com um senso de moral distorcido há um extremo carisma e uma arrebatadora e arrogante sapiência.

Com isso, Laérsio se envaidece dos roubos que cometeu, além de se orgulhar tanto da própria inteligência que chega a exibir um olhar desdenhoso em relação a todas as pessoas – à exceção de seu companheiro, Leandro, e, às vezes, de Carlos. Por isso, o ocasional detento – que foi inclusive detido durante as filmagens do documentário, que foram, inclusive, interrompidas – afirma não ver problema em glamorizar sua história. “Se Al Capone, que fez barbaridades, foi glamourizado lá nos Estados Unidos, por que eu não posso ser glamourizado como o maior ladrão de documentos históricos desse país tupiniquim?”, indaga.

Mas, apesar da personalidade carismática que contrasta com seu posicionamento do homem, também é apresentado outro lado dos acontecimentos ao dar voz a pessoas cujas trajetórias cruzaram com a do criminoso. Por exemplo, Lana Miranda, cover de Carmem Miranda e conheceu Laérsio no começo de sua idolatria à diva –, os bibliotecários Edson Vargas e Antônio Carlos Lúcio – que trabalham em uma das instituições furtadas –, a diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Beatriz Kushnir e o delegado da Polícia Federal, Alexandre Saraiva. E é possível perceber sentimentos como ódio, ressentimento, repulsa e desdém nas declarações de todos.

Além destes aspectos mais subjetivos, o documentário também possui particularidades técnicas definidas – por exemplo, a narração epistolar para pontuar o tempo da produção. A este respeito, pode-se dizer que a única falha do filme é uma certa inconsistência na linguagem da narrativa, que, por vezes, afasta-se do tom documentarista, exibindo matizes mais próximas à tele-reportagem. Fora isso, Cartas para um Ladrão de Livros é um projeto intrigante, que pode render mais material – um livro está nos planos de Carlos – e cumpre a tarefa que se propõe: mostrar a história de um homem que passou da idolatria para a monomania e, desta, à criminalidade.

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